Carta Para Mim Mesma Quando Jovem

Lucas Seixas

Meu nome é Luiza Fiorese, tenho 27 anos, sou atleta profissional de vôlei sentado.

O que me trouxe até o esporte é difícil mensurar, é difícil falar, porque eu não lembro da minha vida sem o esporte. Eu comecei a movimentar o meu corpo muito nova, porque eu sou do interior do Espírito Santo, eu cresci na roça, eu cresci brincando de pique, disso, daquilo. Então, eu não consigo imaginar quando isso começou, sabe?

Eu sei te dizer quando eu comecei a treinar, mas quando eu comecei a me movimentar, quando o esporte fez parte de mim, eu acho que eu nasci assim. A verdade é que eu não vejo a minha vida sem o esporte. Eu posso ir me adaptando ao que vier, ao que a vida...

Foi o que aconteceu, eu me adaptei ao que a vida me deu, mas nunca fiquei distante do esporte. Acho que isso é um lema para a minha vida, sabe? É quase uma memória de vida.

Cara, eu me lembro muito do meu avô.

luiza fiorese
Lucas Seixas/The Players' Tribune

Meu avô morreu quando eu tinha quatro anos, e eu me lembro de momentos com ele, assim... Eu lembro de coisas que não foram as pessoas que me contaram, eu lembro de coisas que eu lembro. Então, acho que eu tinha ali uns três anos, e eu lembro dele fazendo carinho nas minhas costas, eu lembro dele sendo muito carinhoso comigo, me dando muito...

Eu era caçulinha, né? Então, acho que eu fui caçulinha por muito tempo, então eu tive esse carinho, esse apelo especial dos meus avós. Então, acho que a minha primeira memória de vida é com ele.

Ela se emocionou falando de você como sua avó. Como eu falei, eu sou a caçula, fui caçula por muito tempo, então acho que os meus avós me deram muito... Eu era o centro das atenções, assim, em casa, ali, né?

Por parte deles. Então, a gente criou uma relação de muito carinho e de muito afeto. E por isso que a perda deles foi muito forte para mim, né?

Eu me adaptei ao que a vida me deu, mas nunca fiquei distante do esporte. Esse é o meu lema.

Luiza Fiorese

Foi logo depois de Tóquio. Assim que eu voltei de Tóquio, eu consegui chegar, eu consegui colocar a medalha no pescoço deles, assim, e uma semana depois eles pegaram o Covid. E aconteceu tudo.

Mas a minha relação é muito forte, continua sendo muito forte. Eu fiz uma tatuagem aqui, ó. Tem uma tatuagem das minhas avós, tem uma tatuagem também para o meu avô, outra para a minha avó, assim.

Então, eu acho que eu quis marcar isso na minha pele para que eu nunca me esquecesse, né? Porque eu perdi eles com essa idade, mas eu posso estar velha que eu vou estar lembrando dessa relação e do quanto eu me sentia especial com eles, do quanto eu me sentia amada. O meu avô se chamava Joaquim.

Esse que faleceu quando eu era mais nova é o Gentil. E as minhas avós se chamavam Emma e Terezinha. Sim, eu morei com a minha avó um tempo, né?

Minha família mesmo. Meu pai, minha mãe, minha avó e eu. E quando eu me mudei de lá, quando era só eu, meu pai e minha mãe, a gente morava do lado da casa dos meus avós.

Sempre foi muito presente na minha vida, tanto é que quando eu saí de casa, muito nova, eu fazia chamada de vídeo com eles quase todo dia para a gente poder conversar. Então, era muito próximo. Por isso que eu sinto que eu era uma pessoa enquanto eu tinha eles e depois da ida deles, eu acho que eu perdi um pouquinho da minha felicidade.

E foi mesmo, não consegui recuperar até hoje. Essa perda foi muito forte para mim, mas também eu tive muitas memórias com as quais eu tenho muito apreço. E que bom que a gente tem tecnologia hoje, que a gente pode...

Eu pude gravar, eu pude fotografar, então eu tenho essas memórias. Inclusive, antes de Tóquio, eu gravei uma propaganda com as minhas avós que me perguntaram assim, Lu, a gente quer fazer uma coisa que é o que você mais ama, tirando o esporte. Era da Luiza atleta, mas era da Luiza pessoa também.

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Lucas Seixas/The Players' Tribune

Então, o que você mais ama fora do esporte? E prontamente eu falei a minha família, as minhas avós, e a gente fez uma propaganda com elas. Eu tenho muitas memórias, não só aqui, mas também físicas.

Isso é muito bom. Cara, eu lembro da minha avó fazendo macarrão caseiro. Isso era muito legal.

Eu lembro que o meu... Eu fui caçula há muito tempo, e depois eu tive mais priminhos, mais novos. E aí o meu priminho mais novo perguntou assim para a minha avó quando viu um monte de macarrão, mas ele falou, vó, que máquina que você usa para fazer isso aqui?

E aí ela virou para ele, eu lembro dela falando, a máquina é isso aqui, aqui que é a máquina. É uma memória muito boa que eu tenho dela. Com os meus outros avós, a gente é descendente de italiano, então a minha avó era...

Essa perda foi muito forte para mim. Até hoje não consegui me recuperar.

Luiza Fiorese

a minha outra avó era... fazia parte do grupo de dança da terceira idade, então eu lembro dela muito alegre, dançando, festejando, era sempre muito ativa. Cara, eu só tenho memórias boas com eles.

Tenho memórias afetivas muito especiais. É engraçado, sim. Venda Nova é uma cidade, é uma colônia italiana no Espírito Santo.

Então a gente faz esse resgate da cultura não só com a festa, mas na maior parte com a festa da polenta, que a gente chama. Polenta era um alimento. Quando os imigrantes italianos vieram, eles vieram muito pobres para cá, era uma realidade muito difícil também, quando vieram.

Então comiam polenta no café da manhã, no almoço, de noite, porque o milho era barato, era um alimento barato, era um alimento que eles conseguiam plantar para comer. Então por isso a polenta. E aí a gente tem essa festa lá, que é um resgate da cultura, e a gente cresce nesse ambiente.

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The Players' Tribune

Eu cresci nesse ambiente de resgate da cultura, tanto é que hoje, quando eu jogo contra as italianas, eu tenho um carinho, não que eu vou pegar mais leve na hora do jogo, mas fora, no nosso ambiente fora, eu tenho um carinho muito especial com elas, porque pode ser uma coisa só minha, claro que para elas tanto faz, mas para mim parece que eu estou em família ali. Além da minha equipe, porque eu consigo enxergar isso em outra equipe também, é bem legal. Fui rainha da festa da polenta, desfilei com 19 anos, eu já tinha prótese, isso é muito legal, porque eu manco, e eu mancava bastante naquela época também, e é um desfile, porque você tem que andar na passarela, tem uma passarela.

E aí eu ficava meio assim, meio insegura, tipo, é desfile, você tem que manter uma postura, e aí na hora eu falei, quer saber, eu vou me divertir, eu vou entrar dançando, sendo eu mesma, e acho que por isso que eu, de fato, consegui o título ali, porque eu fui eu, sabe? Eu me diverti, e acho que isso tem muito sentido, não é um desfile de miss, é um desfile de família, de uma coisa mais, sei lá, mais calorosa. Então acho que é muito importante, para quem eu sou hoje, essa construção de nunca negar quem eu sou, quem eu me tornei.

Hoje eu sei que eu sou uma pessoa com deficiência, e eu não tenho vergonha disso, eu não tenho receio de falar que eu sou, eu sou uma pessoa com deficiência, e obviamente a pessoa antes da deficiência.

Eu sou a Luisa, eu tenho muitos sonhos, eu tenho uma família, eu tenho tantas coisas ao meu redor, e eu tenho uma deficiência, isso é parte de quem eu sou, mas não me resume.

Então é legal de eu me assumir, enquanto se eu tiver que mancar, eu vou mancar, se eu tiver que mostrar minha perna, eu vou mostrar, eu não tenho problema com isso.

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