Não Há Limites Para Quem Sonha

Alexandre Battibugli/Ag. Paulistão
Em parceria com
Federação Paulista de Futebol

Não sou um cara de falar muito.

Sempre entendi que, quando era preciso liderar ou falar forte, a melhor maneira era dar o exemplo.

Talvez por isso, quando o Lucas Tocantins carregou a bola da nossa defesa para o ataque, no jogo do último domingo, eu me posicionei, esperando pelo passe. Mas entendi quando ele viu a oportunidade de fazer o gol. Na hora H, a tomada de decisão é muito solitária e leva só alguns segundos. Depois, é fácil falar, “poderia ter tocado, poderia ter chutado mais forte”. 

Então, eu não pensei assim.

Quando o chute saiu, torci, primeiro, para que a bola entrasse. Depois, esperei que houvesse um rebote. Eu até fiz o movimento. Mas o Marcos Rocha travou e a bola saiu. Escanteio. 

Eu poderia lamentar, poderia, na posição de capitão do time e um dos jogadores mais experientes, gritar e cobrar do meu companheiro de equipe. Mas não. Senti que estávamos chegando perto. 

A vida não erra.

Bruno Mezenga Agua Santa Players Tribune
Rebeca Reis/Ag. Paulistão

No escanteio, como faço nos treinamentos, eu me posicionei. A bola veio em minha direção. O Luan Dias foi muito feliz na cobrança do escanteio, eu ganhei da zaga pelo alto e tirei do goleiro. Pude ver a bola no canto da rede: 1 a 0. 

Glória a Deus.

Quem viu nossa comemoração e a alegria desse time pode pensar muitas coisas. 

“Zebra.” 

“Sorte.” 

“Adversário deu mole.” 

Mas só quem tá lá dentro sabe da real: quem vê close, não vê corre. E nós corremos demais pra chegar até aqui. Pra representar Diadema e a comunidade do Jardim Inamar na decisão do maior campeonato estadual do país.

Não, não foi nada fácil.



Logo na estreia, jogando em casa, tinha uma pressão gigantesca para que a gente fizesse o resultado. Já joguei em muito lugar por aí, no Brasil e no exterior, e até mesmo no Paulistão, que tenho a honra de disputar pela quarta vez. Mas jogo de estreia nunca é igual. E, no nosso caso, o peso era maior não porque havia a expectativa de chegarmos na final. 

Era o contrário. 

Havia a preocupação de que o Água Santa fosse rebaixado para a segunda divisão.

Então, nós fomos para a primeira partida, em casa, contra a Ferroviária. E o resultado não poderia ter sido mais frustrante. Perdemos de 3 a 1.

O segundo jogo, nós já sabíamos, seria uma pedreira fora de casa, e é por isso que queríamos fazer logo de início um bom resultado na estreia. Enfrentaríamos o Corinthians, que vinha de uma derrota contra o Bragantino. Mas não deu. E perdemos de novo: 3 a 0. 

Pessoalmente, a minha situação era ainda mais complicada. Eu ainda não havia me firmado na equipe titular. Era reserva, uma opção do treinador. 

Bruno Mezenga Players Tribune
Helffranco/The Players Tribune

Acho que, se fosse outra pessoa, na minha posição, pensando na minha carreira como atleta, poderia reclamar. Poderia, sei lá, questionar a decisão do técnico. E poderia ter desafiado e não topado ficar no banco, exigindo a titularidade. 

Mas eu estava tranquilo, acredita? No futebol de hoje, uma equipe não é formada apenas pelos 11 titulares, principalmente agora quando é possível fazer cinco substituições. 

Não, eu decidi me preparar ainda mais e aguardar a minha chance. 

Nesses anos todos jogando futebol, aprendi que a união do grupo faz toda a diferença quando o objetivo é alcançar um resultado que todos consideram impossível.



Em 2009, quando estava no início da minha caminhada como profissional, eu também fui reserva. No Flamengo, a linha de frente tinha jogadores do nível de Petkovic e Adriano. Alguém poderia pensar que era moleza, ainda mais quando a gente olha a conquista daquela temporada: o Flamengo foi campeão brasileiro depois de 17 anos.

Mas eu já disse, quem vê close, não vê corre. Aquele time chegou a ficar em 14º, a poucas posições da zona de rebaixamento. Com alguma sorte, e se fizéssemos um campeonato perfeito a partir dali, ficaríamos entre os 10 primeiros. Ninguém botava fé que, naquelas condições, a gente pudesse chegar entre os primeiros. Porém, aquele grupo era iluminado. E, claro, nós fomos lá e vencemos um campeonato que achavam que seria impossível.

Não vou mentir, em determinados momentos neste Campeonato Paulista, a lembrança daquela arrancada veio para mim como um filme. 

Agua Santa classificado penaltis Sao Paulo
Rebeca Reis/Ag. Paulistão

Nos momentos mais difíceis, sempre me lembrei daquele Brasileirão, de como fizemos o impossível acontecer.

Daquela vez, não foi só a camisa, embora o Flamengo seja um dos maiores clubes do mundo. Não foi porque os adversários não disputavam. Foi porque a gente se entregou ao máximo e acreditou que era preciso entregar muito mais para fazer os resultados que a gente precisava.

Fazer história é isso. 

Com o Água Santa, apesar das vitórias não aparecerem logo de cara, a gente sabia o que precisava fazer.

A união faz toda a diferença quando o objetivo é alcançar um resultado que todos consideram impossível.

Bruno Mezenga

Todos esperavam que o time fosse rebaixado, então, a gente tinha de frustrar a opinião dos especialistas e as expectativas dos adversários.

E jogar todas as partidas no limite. 

Era o único jeito.

Se não fosse assim, não haveria amanhã para o Água Santa.



Todo mundo se lembra da fase de mata-mata, quando superamos o São Paulo e o Bragantino nos pênaltis. Foram jogos especiais, porque eliminamos aqueles que eram considerados os favoritos.

Para o nosso grupo (jogadores e comissão técnica), no entanto, a grande virada aconteceu ainda na primeira fase, numa partida contra o Santos na Vila Belmiro. Nós seguramos o empate de forma heroica. Afinal, jogar naquele estádio, contra aquela camisa e contra aquela torcida... Não é para qualquer um.

O que eu quero dizer é que, depois daquele jogo, a nossa confiança cresceu de um jeito diferente. Tanto que vencemos as três partidas seguintes — e aqui eu já estava em campo, podendo ajudar meus companheiros, pressionando os zagueiros, fazendo o pivô, disputando as bolas aéreas e, se fosse preciso, marcando na linha de fundo e até mesmo cometendo falta. O quê? Violentos? Nada disso, somos competitivos. Nosso time não desiste de nenhuma bola.

Mas eu falava do jogo contra o Santos, que representou uma virada de chave para nós. Foi ali que o time sentiu que podia fazer mais.

E a nossa campanha a partir dali é prova disso: só fomos derrotados pelo Palmeiras. Vencemos partida após partida até chegar nas quartas de final, quando a oportunidade de fazer história bateu na nossa porta.

Chovia muito em São Paulo naquela segunda-feira e a torcida do nosso adversário lotou o estádio do Palmeiras. O jogo foi duríssimo, mas, com muito esforço, conseguimos segurar os caras.

Vieram os pênaltis.

Vocês já devem ter escutado aquela conversa, né? A de que a tal caminhada até a marca da cobrança de pênalti é longa, interminável. Mas é verdade! Parece até que o tempo passa mais devagar ou que o vento muda de direção. O certo é que a minha cobrança abriria a série. Para quem assistia pela TV ou mesmo nas arquibancadas, as vaias e os assobios são ensurdecedores. Eu ajeito a bola e tomo alguns passos de distância. Soa o apito. Consigo deslocar o goleiro, batendo no lado esquerdo do gol. 

Nossos jogadores foram convertendo e o São Paulo já tinha perdido um. Faltava pouco. Na nossa última cobrança da série, o goleiro deles defende. No estádio, havia um clima de que a vantagem tinha mudado, agora eles iriam se classificar. Mas nosso time manteve o foco. E vencemos.

Contra o Bragantino, o Água Santa também não era o favorito. O sentimento geral era de que a “zebra” já tinha ido longe demais, ou algo nessa linha.

E o Bragantino começou na frente. Mas nós estávamos jogando na Vila Belmiro, o palco da nossa mudança de chave. E assim nós fizemos o que sabemos fazer de melhor.

Com o apoio da nossa torcida, que desceu em peso para Santos e lotou a Vila, nós não desistimos. 

Agua Santa Vila Belmiro Paulistao
Fernanda Luz/Ag. Paulistão

A bola está com o Bragantino, ainda no início da segunda etapa. De repente, o recuo para o goleiro – num lance assim, a ideia de quem tem a bola é começar o jogo do zero, abrindo espaços. Sem jogar a toalha, vou para cima do Cleiton, que, num primeiro momento, me dá um drible e, na hora da saída de bola, a chance aparece para ele, Lucas Tocantins. É o empate.

Senhoras e senhores, mais uma decisão por pênaltis.

Aqui, no Água Santa, eu vejo verdade.

Bruno Mezenga

Como da outra vez, vou abrir as cobranças. Como da outra vez, consigo deslocar o goleiro, mas não totalmente: o Cleiton estica o braço e faz a defesa. 

Quem joga futebol profissionalmente sabe que a nossa trajetória de atleta é exatamente assim. Nós caímos para nos levantarmos logo em seguida. Este é o padrão para quem quer jogar nesse nível. 

Nesse dia, no entanto, eu senti algo diferente. Não sei explicar direito, mas era uma confiança que não me deixou abater. Eu fiquei triste por ter errado a cobrança, mas eu tinha a certeza da nossa classificação.

Eu simplesmente sabia.



Quando comecei a jogar bola, ainda criança, eu sempre queria disputar com os mais velhos. Lá em Niterói, minha cidade natal, meus irmãos não gostavam nada disso.

“Aqui só jogam os grandes”, eles diziam.

Não tinha como eles saberem disso na época, mas aquelas palavras me soavam como um desafio. Fico motivado quando ouço esse tipo de coisa.

Foi assim quando saí do futsal para o futebol de campo. E já no campo quando entrei para o Flamengo, clube onde todo dia entra um jogador novo.

Sem contar o fato de que, no Flamengo, o elenco principal era formado por verdadeiros craques. Só para vocês terem ideia, logo que eu cheguei, eu vi o Zinho, o Junior Baiano, o Júlio Cesar. Era um sonho para qualquer garoto.

E eu ainda pude desfrutar e ver Adriano e Vagner Love juntos. Eles eram muito diferenciados. Não tinha como não ficar impressionado.

Minha estreia como profissional, jogando pelo Flamengo, foi contra o São Caetano, no Anacleto Campanella. Vivi um sonho de olhos abertos, ser um jogador profissional.

Tive, ainda, a chance de conhecer o mundo. Polônia? Sim. Tailândia? Também. Turquia? Põe na conta. Aprendi a gostar de outras culturas, a falar novos idiomas e a conhecer outras realidades. 

Então, aquele Bruno que gostava de jogar entre os grandes jamais perdeu o apetite pela aventura, a fome do desafio. E foi com esse espírito que eu cheguei em São Paulo, faz uns anos, para disputar o Paulistão.

A pressão é real, mesmo não jogando pelos clubes grandes, que sempre entram como favoritos. Dentro das suas condições, os clubes menores têm de sobreviver — com muito esforço, com muito apoio da torcida e com dedicação e entrega de verdade do grupo.

E aqui no Água Santa eu vejo verdade.

Verdade na forma como a torcida, a nossa comunidade, nos apoia.

Verdade na maneira como nós nos doamos uns pelos outros em campo.

Verdade no modo como torcemos um pelo outro durante o jogo, comemorando os gols e vibrando com as defesas.

Não, não foi fácil ver que tínhamos perdido uma grande oportunidade de marcar o gol no final da primeira etapa no último domingo. Mas o nosso foco era absurdo.

Sabíamos que podíamos chegar lá. Isso não quer dizer que o Água Santa é imbatível. Nós levamos o gol do Palmeiras no começo do segundo tempo e tivemos de retomar a concentração para voltar pro jogo.

E isso é jogar no limite, contra todas as probabilidades. 

O final da partida já desenhava um empate, até que eu me movimento e recebo um bolão do Patrick Allan. Foi tudo muito rápido, eu só tive tempo de ajeitar o corpo e tocar com o pé direito, na saída do Weverton. 

Gol nos acréscimos.

Gol da vitória.

Gol do Água Santa.

Glória a Deus.

Nós sabemos que a final ainda não acabou.

Bruno Mezenga gol Agua Santa
Ale Vianna/Ag. Paulistão

Como eu fiz questão de lembrar ao fim do primeiro jogo, no ano passado, o Palmeiras virou um resultado adverso no Allianz Parque, que, assim como das outras vezes, estará cheio, com seus torcedores gritando pelo seu time.

Mas a essa altura do campeonato já deu para perceber que o Água Santa veio para disputar o Paulistão pra valer. Nós ainda continuamos sonhando. 

“Deus não alimenta um sonho em sua mente que não possa ser realizado.”

Este é o lema do nosso clube. Este é o sonho em que nós acreditamos. De verdade.

Podemos não ter o time mais badalado.

Podemos não ter a atenção da mídia.

Podemos não ter a tradição e o favoritismo de outras equipes.

Mas é assim que se faz história.

Sem falar muito.

Jogando no limite, sonhando sem limites.

Autografo Bruno Mezenga

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