Para o Neymar

César Valença/The Players' Tribune

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Fala, Neymar… Tá chegando a hora, hein? Aquele momento que separa os meninos dos homens. Sei que você já deve, a essa altura do campeonato, ter escutado muita bobagem, muita crítica, muita encheção de saco de gente que vive de dar opinião na vida e na carreira dos outros.

Então, a primeira coisa que eu quero te dizer é o seguinte: eu não vim aqui c**** regra sobre o que você deve ou não deve fazer.

Eu, Romário, sei perfeitamente o que você está sentindo. Ah, claro, todo mundo gosta de dizer que o Baixinho é isso, que foi aquilo ou que eu sou o cara

Mas a verdade, parceiro, é que até 1993 tinha muita gente que falava mal pra car#lh* de mim. Não tô de caô, não. É sério!

Eles questionavam meu comportamento fora de campo. 

Eles criticavam minhas declarações para a imprensa.

E diziam até mesmo que eu não era disciplinado.

Cara, sendo bem sincero, eles queriam o quê? Que eu fosse um jogador que pedisse licença, por favor, para que eu pudesse ser quem eu sou?

Se eu fosse esse santinho que eles idealizavam, jamais teria chegado aonde cheguei. Craque, gênio da grande área, artilheiro. O cara.

Não, Neymar, isso não é arrogância. É confiança.

Como você, eu vim de longe, de muito longe, e tive de tomar muita pancada para ser jogador de futebol e conquistar o que conquistei.

Lá na Vila da Penha, se não fosse do meu jeito, se não fosse na base da ginga e da coragem, a coisa não ia acontecer.

Então, peixe, a primeira coisa que eu quero te falar é a seguinte: seja você mesmo. Vão te criticar de qualquer forma… Mas a imprensa, a torcida e até mesmo os adversários só admiram a gente quando sentem que há verdade nas nossas atitudes.

E você sabe bem onde um jogador conquista isso, né? 

No campo.

Assim como você, meu camarada, eu também joguei na Europa. E veio dessa época um sentimento que os adversários e a torcida tinham em comum sobre mim.

Eles me respeitavam.

Assim como você, eu vim de longe e tive de tomar muita pancada para ser jogador de futebol e conquistar o que conquistei.

Romário

No meu tempo, Neymar (e não faz tanto tempo assim), jogadores como eu eram chamados de BAD BOYS.

Mas isso não quer dizer que a gente era do mal, que a gente fazia coisa errada.

Nada disso.

Pra falar a verdade, se teve alguém prejudicado com as minhas atitudes fui eu mesmo...

Imagine só se eu fosse um atleta dedicado a cuidar do meu corpo como, você sabe quem, faz hoje em dia? Acho, só acho, que teria trazido pra casa pelo menos mais uma Copa do Mundo.

Então, é disso que eu tô falando, jogador.

Numa boa, faça a sua parte dentro de campo e tente esquecer o resto, todo esse barulho que vem de fora. É o que sempre falo: quem precisa ter boa imagem é aparelho de TV. Continue não dando importância para o que os outros vão comentar sobre você.

A torcida brasileira, muitas vezes, não sabe como é difícil disputar em alto nível uma Copa, um torneio que não dá chance pra erro.

E todo mundo sabe que você quer fazer coisas grandes e que é decisivo dentro de campo. Ali, “naquele último terço”, como dizem os comentaristas que jamais pisaram num gramado com a torcida xingando nas arquibancadas, você sabe que é especial.

Mas aqui tem um ponto que eu gostaria de reforçar. Mais do que ninguém, é impossível conquistar qualquer coisa sozinho.

Eu sei que você sabe disso.

Agora eu vou te contar como é que eu descobri.



Quando a Seleção foi para os Estados Unidos, em 1994, eu falei que a gente ganharia a Copa e que eu ia arrebentar.

Os jornalistas que não acreditavam na gente, ao contrário da torcida brasileira, tiveram de aceitar. Então, de repente, ficou para sempre essa história de que “o Romário ganhou a Copa de 94 sozinho”.

Cara, isso é uma besteira. 

Não foi assim que aconteceu.

Nós não teríamos vencido sem a firmeza do Taffarel, que saiu do Brasil desacreditado e foi fundamental, dando segurança no gol — isso sem falar nas cobranças de pênaltis contra a Itália, na final.

Romario Players Tribune Brasil
César Valença/The Players' Tribune

Nós não teríamos trazido a taça se não tivéssemos a consistência daquela dupla de zaga, com Aldair e Marcio Santos, e se não contássemos com a força de Dunga e Mazinho. E eu tenho de falar dos nossos laterais, que estavam em estado de graça, com Jorginho, que me deu um presente no jogo contra a Suécia, pela semifinal. Aquele jogo foi uma parada dura, o goleiro deles pegando tudo, fazendo cera, a bola não queria entrar. Daí o Jorginho me achou no meio dos zagueiros. 

E será mesmo que eu preciso te falar do Leonardo, que você já conhece pessoalmente, ou do Branco, que saiu do banco de reservas, cavou uma falta e fez um golaço naquele jogo contra a Holanda?

Acima de tudo, Neymar, naquele time tinha muita personalidade e muita camaradagem.

O Raí era o capitão, uma unanimidade como camisa 10, e deu lugar pro Mazinho, porque o Parreira precisava recompor o meio de campo. E o Zinho, que jogou muito no Flamengo e no Palmeiras como ponta-esquerda, se reinventou em benefício do grupo. Todo mundo queria entrar em campo, jogador, era uma Copa do Mundo, mas as pessoas entenderam que o bem maior estava em jogo. Elas também se sacrificaram.

E já que quase ninguém se recorda direito, vou falar de uma partida especial para mim, porque eu vivi para contar. Era 4 de julho, dia da Independência dos Estados Unidos, e nós enfrentávamos os EUA na casa deles. O jogo estava pesado. Para piorar, o Leonardo foi expulso. Nem sempre as coisas saem do jeito que a gente quer.

Já imaginou a pressão? 

Ser eliminado nas oitavas de final, contra os Estados Unidos? 

Eu podia sentir o calor das críticas, que estavam bem guardadas para uma eventual derrota: 

O Brasil não é mais o país do futebol.

24 anos sem ganhar? Que vergonha!!

A Seleção Brasileira não tem mais os melhores jogadores.

A Argentina vai ser campeã.

Então, num lance, eu fui buscar no meio-campo, pedi a bola e carreguei para o ataque. 

Os jogadores dos Estados Unidos me cercavam, inclusive o Lalas, um zagueiro gigante, que botava medo em qualquer um (menos em mim).

Eu poderia ter chutado pro gol, o ângulo me dava essa condição.

Mas eu tomei outra decisão. O Bebeto estava mais bem posicionado, e eu passei a bola pra ele — ainda dizem que eu era fominha, é mole?!

Ele bateu colocado, no canto direito, tirando do Tony Meola. E você pode não saber, Neymar, porque era muito criança, mas a torcida brasileira lembra do que o Bebeto me disse na comemoração.

O Brasil inteiro fez a leitura labial:

“EU TE AMO!”

Depois dessa, já era. Não tinha como deixar o tetra escapar. Faço questão de te contar essa história porque, como você já deve saber, ninguém ganha nada sozinho. Muito menos uma Copa.

Mas, sendo quem a gente é, nunca podemos fugir à responsabilidade de colocar as coisas em seu devido lugar. De bater no peito e pedir a bola na hora que a Seleção mais precisar.



Neymar, eu não tive a chance de disputar muitas Copas do Mundo.

Só Deus sabe o quanto eu gostaria de ter participado de 1998 e de 2002. Infelizmente, não aconteceu.

E na única Copa que disputei como titular, tive de me entregar ao máximo, junto com meus companheiros, para que nós pudéssemos ganhar.

Você dá alegria ao povo brasileiro quando joga, Neymar. Você é p***, irmão!

Romário

Todo mundo só se recorda das alegrias, da celebração, do tema da vitória.

Mas quase ninguém se lembra da pressão que é jogar uma Copa do Mundo vestindo a camisa da Seleção Brasileira depois de tantos anos sem título.

As comparações, o menosprezo, a crítica vazia, tudo isso pode machucar um jogador tão iluminado como você.

Mas você tem a alegria daqueles que jogam com prazer. E o principal: você dá alegria ao povo quando joga. Você é p***, irmão!

Neymar Players Tribune Brasil Romario
César Valença/The Players' Tribune

Quer saber? Se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo igual para garantir aquele título de 94. Fiz minha história e tenho certeza que você fará a sua. Não devemos nada pra ninguém e a torcida brasileira está sempre com a gente quando percebe o nosso comprometimento, a nossa entrega, o nosso tesão pela vitória. Eu gosto de jogo assim. E tenho certeza que você também gosta.

Então, quando penso nisso, lembro que você estará em campo e meu coração fica em paz. Porque sei que você representa o espírito e o futebol que todos nós, brasileiros, gostamos de ver. Que vai bater no peito e pedir a bola na hora que a Seleção mais precisar. Que ninguém mais do que você merece trazer esse hexa pra casa.

Agora é sua vez, parceiro! Confio em você. Ou melhor, o Brasil confia em você.

Que Papai do Céu te abençoe no Catar.

Com carinho,

Romário

Autografo Romario

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