Um Último Capítulo

David Ramos/Getty Images

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À esta altura, no ano passado, eu estava pensando em me aposentar.

Tenho de ser honesto sobre isso.

Eu estava me perguntando se algum dia voltaria a jogar em Wimbledon. Quando operei o pé esquerdo em março de 2021, o objetivo era voltar algumas semanas depois. Mas quando me disseram que eu precisaria de uma segunda cirurgia, eu sabia que ficaria meses e meses fora.

Se eu voltasse, não seria o mesmo jogador. Eu estaria perto dos 37 anos.

Você tem de enfrentar todos esses fatos desconfortáveis.

Stan Wawrinka

E eu sabia o quão dolorosa seria a recuperação.

Já tinha feito isso antes, em 2017. Naquele ano, joguei Roland Garros com uma dor no joelho, mas em Wimbledon mal conseguia me mexer. Eu teria de operar — e não seria uma cirurgia qualquer. Eles tiveram que substituir parte de um osso. Nos meses seguintes, eu passava cinco horas por dia no centro de reabilitação. Eu fui de número 4 do mundo a andar mancando de muletas.

A pior parte é que você nem sempre enxerga a evolução. Com o trabalho de condicionamento físico normal, você está acostumado a ver seu esforço valer a pena rapidamente. Por outro lado, a recuperação é lenta. Quando você chega em casa, está exausto, então liga a TV, apenas para ver seus rivais desfilando pela quadra. Mentalmente, é muito difícil.

Wawrinka Wimbledon tenis
David Ramos/Getty Images

Em 2017, eu não tinha certeza se conseguiria voltar. Mas uma vez que a cirurgia correu bem, eu sabia que queria tentar. Menos de dois anos depois, cheguei às quartas de final de Roland Garros e voltei ao top 20. Não estava tão bem quanto antes, mas estava feliz.

E então eu precisei de outra cirurgia no ano passado. E mais uma. Por isso eu tinha mais dúvidas dessa vez. Quando comecei o processo de reabilitação, meu corpo precisava de ainda mais tempo para se recuperar. Fiz a segunda cirurgia em junho.

Em dezembro, eu ainda não conseguia andar direito.

Então você começa a pensar. Você repassa toda sua carreira em busca de motivação. Você tem de enfrentar todos esses fatos desconfortáveis, e cada um leva a uma pergunta.

Faz sentido eu continuar?

Stan Wawrinka

Você ainda não consegue nem caminhar.

Quando poderei correr novamente?

Você sabe que nunca será tão bom quanto antes.

Faz sentido eu continuar?

Você sabe quanto sangue, suor e lágrimas serão necessários para voltar.

Isso é realmente o que eu quero?



Meu maior talento, eu acho, sempre foi gostar de treinar. Mesmo quando criança, eu simplesmente amava a exaustão física e mental. Claro, eu gosto de fazer um ace ou um winner na risca da linha.

Mas também há algo nobre em se esforçar ao máximo.

Wawrinka Players Tribune
Tommy Milanese/The Players' Tribune

Quando comecei a jogar aos oito anos, nunca sonhei em ganhar Grand Slams. Isso era para jogadores especiais. Eu era apenas um menino do interior da Suíça. Na minha adolescência, eu nunca fui o melhor da minha faixa etária. Nunca ganhei um campeonato suíço de juniores.

Tudo o que eu queria era me tornar profissional. Eu ficaria feliz em chegar ao top 100.

As únicas pessoas que acreditavam que eu poderia ir mais longe eram meus pais. Mas os pais sempre acham que os filhos são os melhores, né? Hahaha.

Foram eles que me colocaram no tênis. Eles queriam que eu, minhas duas irmãs e meu irmão mais velho praticássemos um esporte fora da escola, e tínhamos um clube de tênis a cinco minutos de nossa casa, perto de Lausanne. Aquela casa era, na verdade, uma fazenda que meus pais administravam. Eles também cuidavam de 15 a 20 pessoas com deficiência que moravam lá com a gente. Nós fazíamos refeições juntos, e eles se tornaram parte da nossa família. Ainda me lembro de todos eles.

Você tem de se adaptar a todas as possibilidades e variáveis. É um grande quebra-cabeça.

Stan Wawrinka

Quando eu comecei a me destacar no tênis, voltava pra fazenda e eles diziam: “Ei, eu te vi na TV!” Hahaha. Eles acompanhavam de perto a minha carreira.

Enfim, eu me apaixonei pelo tênis. Aos 11 anos, tive meu primeiro treinador, Dimitri Zavialoff. Um dia ele me pediu para tentar um backhand de uma mão.

Belo conselho, Dimitri. ;-)

Ainda assim, mesmo quando me tornei profissional, eu não pensava nos Grand Slams. Embora disputar as Olimpíadas de 2008 fosse um sonho, eu só queria aproveitar. Estou falando não apenas de ganhar o ouro, mas também das duas semanas que passei com outros atletas na vila olímpica, jogando baralho e me divertindo. Claro que jogar duplas com Roger Federer também foi especial. Eu estava sob pressão porque ele havia perdido o torneio de simples. Lutei muito nas duas primeiras partidas, mas mesmo assim vencemos porque... Federer é Federer.

No entanto, esse ouro não significava que eu tinha me tornado um jogador melhor. Simples e duplas são muito diferentes, e eu realmente me perdi em simples nos meses seguintes. Saí do top 10. Então comecei a duvidar de mim mesmo e os anos voaram.

Cinco anos depois, eu já tinha 28 e ainda não havia jogado uma semifinal de Grand Slam.

Eu me perguntava se algum dia chegaria ao topo.

Tudo que eu sabia era que estava fazendo as coisas certas. O talento ajuda, mas você tem de comer direito, dormir direito, se recuperar bem e beber muita água — tem de se manter hidratado enquanto joga em tantos lugares quentes. Você precisa de um grande staff ao seu redor. Como você decide sua própria programação no tênis, você precisa encontrar o equilíbrio entre disputar torneios e dar duro nos treinos. Você tem de se adaptar a todas as possibilidades e variáveis — hora da partida, oponente, clima. É um grande quebra-cabeça.

Em todos aqueles anos após as Olimpíadas, eu estava trabalhando bem. Só faltava encaixar algumas peças.

Em 2013, comecei a ser treinador por um novo técnico, o grande Magnus Norman. Ele trabalhou muito minha confiança e minhas fraquezas, e logo as coisas começaram a acontecer. Naquele ano, finalmente voltei ao top 10. No US Open, joguei minha primeira semifinal de Grand Slam, onde levei a partida contra meu amigo Novak Djokovic a cinco sets. Então, sim, quando entrei no Aberto da Austrália de 2014, eu realmente não achava que poderia vencer… mas estava me sentindo ótimo.

Wawrinka tenista suiço
Getty Images

Eu sabia que estava no auge do meu jogo. Quando cheguei à final, eu me sentia bem. Nem uma vez fiquei nervoso na preparação para aquela partida. Quer dizer, uma final de Grand Slam contra Rafael Nadal, o número 1 do mundo? Era algo tão louco pra mim que eu nunca me preocupei em sonhar com isso.

Na pior das hipóteses, eu perderia. E daí? Eu ainda estava na final.

Tive que enfrentar dois adversários: Rafa e eu.

Stan Wawrinka

No começo, eu joguei um tênis incrível. Rafa sentiu as costas — mas ele ainda era o Rafa, entende? Lutei bastante. Infelizmente, quando eu tinha dois sets, 6-3 6-2, minha cabeça virou um trevo. Eu fiquei tipo: Opa! Talvez eu ganhe um Grand Slam!

Uma vez que você se permite pensar assim, você está em apuros.

Perdi o foco na partida. Eu podia ver o troféu ao meu lado. Pela primeira vez naquele torneio, senti que tinha algo a perder. Naquele momento, outra partida começou. Tive que enfrentar dois adversários: Rafa e eu.

Rafa venceu o terceiro set por 6-3. Felizmente, me recuperei no quarto.

Wawrinka Rafael Nadal Wimbledon
Scott Barbour/Getty Images

Poucos minutos depois, eu me tornava campeão de um Grand Slam.

Alguns me perguntaram por que eu não chorei ou desabei no chão. Mas não preciso pirar. Eu sou uma pessoa tímida. Não teria sido natural. Mas fiquei aliviado. Eu estava feliz. E sim, eu comemorei muito depois. Para noites assim, eu sou imbatível.

Se você não festejar depois disso, quando você vai comemorar alguma coisa?

Quando cheguei a outra final, em Roland Garros, em 2015, ainda estava no auge. Dessa vez eu fiquei nervoso. Eu sabia como era estar lá, e minha cabeça estava girando. Talvez esta seja a minha última final. Talvez eu nunca mais esteja aqui.

Eu precisava vencer. Eu não queria perder, eu não podia perder.

Mas esses pensamentos não ajudam em nada, especialmente quando você enfrenta Novak. Ele era o número 1 na época — acho que ele venceu 28 partidas seguidas. Além disso, eu estava exausto, porque tinha acabado de jogar uma semifinal contra o Tsonga por quase quatro horas em um calor escaldante. Eu também dormi mal. Então eu disse a mim mesmo: “Isso é Roland Garros. Você assistiu às últimas 20 finais, agora você está aqui. Desfrute”.

Quando você entra no Chatrier, é difícil não ficar nervoso. Mas então você olha ao redor. Você vê a multidão, absorve a energia e, uma vez que a partida começa, você se concentra apenas em acertar a bola por cima da rede. Mesmo quando perdi o primeiro set por 6-4, senti que estava jogando bem. Meu jogo estava lá. Fisicamente, eu estava lá. Eu só precisava me esforçar um pouco mais.

Nos três sets seguintes, joguei o melhor tênis da minha vida. Eu estava acertando bolas que nem eu achava que conseguiria. Lembra do backhand pelo lado da rede? Não foi sorte. A bola veio tão aberta que eu sabia que aquele espaço era minha única opção. BOM! Wow-aaaah! Thirty-love, Wawrinka.

Ganhar aquela final foi tão especial. Contra Rafa, vivi um misto de sentimentos desde que ele sentiu a lesão. Em Paris, eu me senti mais realizado. Eu tinha jogado o jogo da minha vida contra um cara que estava ganhando tudo. Eu apenas me senti... orgulhoso.

Encontrei Novak novamente na final do US Open de 2016. É engraçado, porque eu tinha 31 anos, então eu já deveria ter passado do meu auge, mas esta foi minha terceira final de Slam em três anos. Assim como em Roland Garros, pensei que poderia ser a minha última num grande torneio. Além disso, era o Aberto dos EUA, então eu fiquei tipo: Ainda não ganhei aqui. Esta é minha chance!

Novamente eu estava muito nervoso. Quinze minutos antes da final, eu estava prestes a sair do vestiário. As câmeras de TV a postos. Havia mais de 20.000 pessoas nas arquibancadas.

Então, eu comecei a chorar.

Ainda não consigo pensar em uma única razão pra isso. Mentalmente, eu estava esgotado, porque aquelas duas semanas foram muito quentes e úmidas, e tive jogos difíceis contra Del Potro e Nishikori. Eu estava uma pilha de nervos, porque já tinha mais de 30 anos e essa era uma oportunidade que eu não podia perder. Então, sim, eu me senti terrível. Eu queria vomitar.

Magnus me deu uma preleção estimulante. Ele provavelmente deveria ter jogado água fria em mim e me chacoalhado, mas ele disse que é normal se sentir nervoso. Ele estava certo. Quando um atleta fala sobre emoções, as pessoas pensam: NÃO fique nervoso! Mas isso faz parte do jogo. Você não pode dizer a si mesmo para não ficar nervoso, então você tem de aceitar.

Magnus tentou me ajudar a lidar com essa pressão. Mas no início da partida, não funcionou. Eu não estava me movimentando bem. Meu braço não estava legal.

Novak venceu o primeiro set por 7-6.

Eu tinha atingido o meu melhor nível, mas sabia que ainda estava pensando demais. A única solução era me cansar fisicamente. Quando você está exausto, seu cérebro não tem tempo para pensar em todas essas bobagens. Então tentei emplacar trocas mais longas, e a voz na minha cabeça finalmente se calou.

Foi assim que ganhei o US Open. Depois de quatro sets, acabou.

Wawrinka US Open campeao
Chris Trotman/Getty Images

Três Grand Slams em três anos.

Eu estava construindo uma carreira muito além dos meus sonhos mais malucos.

A única parte ruim foi que eu comecei a sentir dores no meu pé, desde que eu era número 4 do mundo. Continuei jogando. Cheguei às semifinais no Aberto da Austrália de 2017. Como o saibro era mais fácil pro meu joelho, também joguei Roland Garros — e cheguei à final. Mas na grama de Wimbledon, perdi na primeira rodada. Eu não poderia jogar assim. Aos 32, precisei de cirurgia.

Não pensei em aposentadoria. Eu não tinha muitas lesões, então senti que poderia empurrar meu corpo na base da força e voltar rapidamente. Ainda assim, foi difícil. Quando você vê outros jogadores na TV, você tem de se distanciar do que eles estão fazendo. É tudo sobre aceitar a realidade e onde você está. Você não pode mudá-la, então faça o que você pode controlar. Se mantenha positivo. Passo a passo. Arrependimentos? E se…? Pensamentos negativos? Esqueça tudo isso.

Se você permanecer positivo, você já está a um passo à frente.

Sei que será difícil para mim ir longe em Wimbledon.

Stan Wawrinka

Foi assim que voltei pela primeira vez.

E foi assim que fiz novamente.

Como eu disse, depois das duas cirurgias do ano passado eu pensei em me aposentar. O caminho de volta tinha sido tão difícil na primeira vez que parecia quase impossível percorre-lo novamente. Mas rapidamente voltei ao pensamento positivo. Toda a minha vida foi sobre cair e me levantar. Eu até tenho uma tatuagem sobre isso: JÁ TENTOU. JÁ FRACASSOU. NÃO IMPORTA. TENTE NOVAMENTE. FRACASSE NOVAMENTE. FRACASSE MELHOR.

Stan Wawrinka tatuagem
Cortesia de Stan Wawrinka

É assim que EU vejo a vida. Mesmo quando você está no topo, você ainda perde jogos o tempo todo. Então, depois de uma grande derrota, eu me perguntava: “O que você quer?”.

Depois da minha segunda cirurgia, eu sabia o que queria. Era hora de parar? Não. Eu ainda amava o tênis. Eu ainda amava treinar. Eu ainda acreditava que poderia jogar em um bom nível. Eu não tinha medo de trabalhar duro. Mas o mais importante era que eu não queria terminar minha carreira machucado. Não era assim que eu queria dizer adeus.

Eu não sabia se conseguiria voltar. Mas eu gosto demais do tênis para não tentar.

No momento, estou me sentindo bem. Estou jogando desde março, feliz por estar de volta a Wimbledon. Ainda não estou 100%. Tenho muito trabalho a fazer. Eu preciso jogar partidas, porque os treinos nunca podem reproduzir a maneira como você se sente num torneio. Ainda faltam algumas peças do quebra-cabeça.

Dado o pouco tênis que joguei, sei que será difícil para mim ir longe em Wimbledon. De qualquer forma, o que importa é o trabalho do dia-a-dia. Se eu fizer essas coisas bem, ficarei feliz. E então, se eu estiver me sentindo bem no final do verão, definirei algumas metas. Quero subir no ranking. E eu quero ganhar um torneio novamente. Não estou falando de um Grand Slam; poderia ser um ATP 1000, 500, 250 — qualquer nível. Não importa.

Mas primeiro, eu tenho que sentir que estou pronto pra isso. No momento, não estou.

Ainda não.

Eu sei que esta é a parte final da minha carreira, um último capítulo. Eu não posso jogar pra sempre. Acho que tenho dois ou três anos, no máximo. Eu quero desfrutar deles, e a única maneira de fazer isso é me dar a melhor chance possível de ganhar um troféu. Como? Indo até o meu limite.

Stan Wawrinka Wimbledon
Paolo Bruno/Getty Images

Você pode estar se perguntando: Eu ainda gosto disso? O suor, os hematomas, as dores?

Bom, deixa eu te contar uma coisa antes de encerrar. Algumas semanas atrás, eu estava jogando com Frances Tiafoe na primeira rodada do Queen’s. Eu tinha colocado muita pressão em mim, porque queria ver se ainda tinha capacidade de vencer grandes jogos.

O sol estava brilhando. A atmosfera era ótima. Fizemos três sets tensos.

Tempo de jogo: duas horas e 47 minutos.

Match point pra ele.

De alguma forma, encontrei meu melhor tênis exatamente na hora que precisei. Ganhei por 7-6, 6-7, 7-6.

Ufa!

Alto nível, torcida incrível… Que momento!

Dois dias depois, senti cada um dos meus 37 anos. Minhas pernas estavam gritando. Mentalmente, eu estava esgotado. Meu corpo estava completamente exausto. E tudo o que eu queria era jogar outra partida.

Autografo Stan Wawrinka

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