Família Nogueira

Pedro Bodick/The Players' Tribune
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Vitória da Conquista, fim dos anos 1970. Minhas primeiras lembranças são de quando eu era criança e a gente tinha acabado de se mudar para um sítio a uns três quilômetros da cidade. 

Todo mundo sabe que tenho um irmão gêmeo, o Rogério Minotouro, mas, na verdade, eu morava na “Casa dos 9 Filhos”. Além dele, tenho mais um irmão e outras duas irmãs. E, quando eu era bem pequeno, a irmã da minha mãe faleceu e vieram suas quatro crianças morar com a gente. Era uma farra.

Meu pai plantava tudo o que a gente comia, grãos, verduras, frutas, até o leite e o ovo vinham do sítio. Acho que um dos motivos de eu ter crescido forte foi a alimentação. Tudo era orgânico, sem agrotóxico.

Minha mãe, que era professora de educação física, comprou uma academia quando eu tinha 4 anos. A gente tinha uma obrigação: todo mundo tinha que praticar esporte. Eu e o Rogério começamos no judô. Foi assim que as artes marciais entraram na nossa vida.

A luta nos definiu. E o Rogério sempre esteve ao meu lado. Trilhamos praticamente o mesmo caminho. Mas, como a gente tinha aquela competiçãozinha de irmãos, meu pai criou uma regra: um não podia lutar com o outro. Por isso ele sempre fez um esforço maior para ficar uma categoria abaixo da minha.

Rogério estava comigo também em um dos episódios mais marcantes da minha vida, quando fui atropelado por um caminhão. Por muito pouco eu não estou aqui hoje contando essa história. 

Quando penso em minha vida, tenho certeza de que daria até uma série. E se eu fosse o roteirista, ela seria assim…



T01, E01: As artes marciais

Meu irmão Júlio, cinco anos mais velho que eu, faz judô antes de mim. Vou ver uma competição dele. Ele leva um ippon, aquela queda fatal. Na segunda competição, cai novamente. Eu, pequeno, fico frustrado. 

Viro para o meu pai e falo: “Pai, me coloca para lutar”. Eu quero ganhar. E começo mesmo a vencer todos os torneios. Sou muito competitivo, faço sempre um pouco mais de repetições do que os outros. Adoro dobrar o meu quimono direitinho para o próximo treino. O judô vira uma paixão. 

Treino dos 4 aos 8 anos. Mais tarde, vou fazer kung fu e kickboxing. Aos 14, saio de Vitória da Conquista e vou para Salvador estudar eletromecânica. Meu pai fala que viu na frente da nossa nova casa a placa de uma academia de boxe. Vamos lá olhar. 

Rogerio Minotouro Rodrigo Minotauro jovens
Cortesia de Rodrigo Minotauro

Entro e vejo um rosto familiar dando aula para o Luiz Claudio, o irmão do Popó. Era Luiz Dórea, hoje treinador da seleção brasileira de boxe e de três medalhistas olímpicos. Cresci vendo ele na TV, em um programa que mostrava os talentos do boxe baiano. Dórea, campeão mundial júnior, era o cara que mais aparecia. Eu mal acredito.

Simpático, ele me pergunta se não quero fazer uma aula experimental. Como já treinava kickboxing e kung fu, eu vou lá e faço tudo certinho. Ele me chama para começar a ir na academia dele, a Champion, que fica na Cidade Nova, onde todo mundo da seleção treina. 

Em 1993, estou com 17 anos e todo mundo que treina comigo só fala do Royce Gracie, o cara que, muito menor que os adversários e lutando jiu-jitsu, venceu os UFCs 1, 2 e 4. Passamos as fitas cassetes do evento entre nós. Também quero lutar jiu-jitsu.

Começa a aflorar em mim a vontade de juntar todo o conhecimento que eu tinha de várias lutas que já tinha treinado e, por que não?, começar a praticar MMA. 



T01, E02: O acidente

Tenho 11 anos e estou, em um sábado, no aniversário de um primo meu, três anos mais novo. Todo mundo está lá: outros primos, vários amigos da escola, meus irmãos, meus pais, todos os parentes. Eu e as crianças entramos numa sala e nossos olhos brilham quando a gente dá de cara com os doces. De molecagem, cada um pega uma bandeja de brigadeiro e resolve esconder em cima de um caminhão que está estacionado bem em frente à casa. 

O motorista do caminhão está na festa também, bebendo cerveja desde aquela manhã. Ele sai da casa e entra no caminhão. Dá a partida e não vê todas aquelas crianças em cima do veículo. A casa fica numa ladeira e o motorista engata a ré para poder manobrar e virar o caminhão para o outro lado. 

As crianças, assustadas, começam a pular para a lateral do caminhão. Menos eu. Eu pulo para a traseira dele.

No exato momento em que bato no chão, o caminhão pega minha perna esquerda. Tenho, já ali, uma ruptura total do tendão de Aquiles. O pneu passa na perna direita e eu ouço um estalo, oco. É, descubro depois, minha última vértebra da coluna, a L5 S1. Ouço outro estalo, mais perto do peito. É meu diafragma, o músculo da respiração, que sofre uma ruptura total.

Rodrigo Minotauro Players Tribune
Pedro Bodick/The Players' Tribune

Continuo sentindo aquele peso absurdo passando devagar. Meu fígado é esmagado, meus rins sofrem danos. As costelas são quebradas. Suas pontas fazem várias perfurações no lado direito do meu pulmão. A última parte que vejo o caminhão esmagar é meu ombro direito. Por fim, a roda da frente do caminhão passa sobre minhas pernas.

Rogério, que vê tudo, me dá a mão e me ajuda a levantar. Levanto e vejo meu pai correndo em minha direção com três tios meus, que são médicos. Dou uns cinco passos e caio de novo. Meu pai me carrega e senta no banco de trás do carro do meu tio, rumo ao hospital. 

Estou no colo dele e não sinto mais dor. Estou leve. Ele me balança e fala: “Fica comigo! Olha pra mim!”. Tenho sono e ele não me deixa dormir. Eu tento falar e não consigo, porque sai muito sangue pela minha boca.

Eu estou morrendo.

Chegamos no hospital e meu pai me coloca na maca e vai me acompanhando, andando ao lado. Vejo as luzes passando no teto. E então eu apago.



T01, E03: A recuperação

É quarta-feira quando acordo no hospital com minha avó esfregando o terço nas minhas mãos. Sinto as bolinhas todas. Lembro de ter passado muitos dias ouvindo ela rezar, o som bem ao fundo, mas eu não sentia nada. Ela está sentada no chão, ou talvez ajoelhada.

Penso: porra, tô vivo!!

Minha família me conta que passei por uma cirurgia no pulmão e que só em alguns meses vão poder fazer outra no meu diafragma. Passo dias, semanas, meses numa cadeira de rodas até reaprender a andar. 

Tenho sono e ele não me deixa dormir. Eu tento falar e não consigo, porque sai muito sangue pela minha boca.

Rodrigo Minotauro

Meu irmão Rogério sente muito o que acontece comigo. Tenho que pegar um avião, a UTI móvel, para fazer uma outra cirurgia no pulmão em Salvador. Estou com uma infecção hospitalar fortíssima, ardendo em febre. 

Rogério viaja com a gente. Só que ele tem que voltar pra casa para ir à escola. Mas não quer sair do meu lado. Minha mãe e minha avó tentam carregá-lo, mas ele gruda na minha cama. Elas fazem força até que, sem ter mais onde segurar, Rogério sai escorregando pela parede, tentando se agarrar nas quinas — claro, sem sucesso. 

Minotauro Minotouro UFC
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Chega o dia da minha cirurgia no diafragma. Um músculo é retirado das minhas costas para que o diafragma seja reconstruído. Minha avó refaz os curativos todos os dias. Pega uma tesoura cirúrgica com gaze, enfia dentro do buraco que ficou nas minhas costas e limpa tudo.

Passo praticamente um ano no hospital. Um dia, o médico está fazendo um ultrassom, e eu falo pra ele que sinto, já há muitos meses, uma dor estranha no pescoço. Pergunto se ele não pode passar aquele aparelhinho no local. E o médico descobre que haviam esquecido um cateter no meu pescoço. 

Um cateter! Muitos meses!

Um ano e meio depois de eu quase morrer, por incrível que pareça, eu realizo um sonho: volto a treinar. 

Aquilo é uma conquista e, em vez de treinar uma vez, começo a fazer três treinos seguidos. A fisioterapia pulmonar me ensina a ser persistente. 

Tenho uma vontade enorme de viver. E vivo cada vez de forma mais intensa.



T01, E04: O MMA

Tenho sequelas do acidente que carrego até hoje. Fora o buraco que levo nas costas, a ruptura do tendão de Aquiles deixa meu pé menos flexível. Ando mancando. O acetábulo, que é o local na pélvis onde o fêmur encaixa, está calcificado, por isso não tenho tanto movimento. 

Tenho também dificuldade para alongar e não consigo dar chutes. Não chuto em minhas lutas, meu jogo é mais o soco. Apesar disso, quero continuar treinando e lutando. 

É quando conheço o Guilherme Assad, aluno do Ricardo de la Riva, professor de jiu-jitsu. Faço minhas primeiras aulas e me destaco, porque sempre fui muito bom na parte de chão do judô. Com dois meses de treino, participo de um campeonato e fico em segundo lugar. 

Com seis meses, ganho a faixa azul e vou para o Campeonato Carioca. Três meses depois, já disputo o Brasileiro — e ganho o peso absoluto. Daí em diante, eu resolvo me dedicar só ao esporte. Acordo às 4h30 da manhã e remo, faço boxe, treino jiu-jitsu — meto logo três seguidos. À tarde vou para a escola técnica e, à noite, faço preparação física.

Minotauro vitoria UFC
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Minha avó é minha patrocinadora: compra suplemento, cuida da minha dieta, praticamente financia esse atleta que está surgindo na família. Sou campeão panamericano e fico em segundo lugar no mundial de jiu-jitsu. Recebo a faixa preta aos 22.

Em 1999, minha mãe, separada do meu pai, vai morar nos Estados Unidos e resolvo ir junto. Lá, começo a dar aula particular de jiu-jitsu e vou treinar com o Conan Silveira, na American Top Team.

Conan faz uma luta pelo título do World Extreme Fight, um evento de segunda divisão nos Estados Unidos. Na época, o esporte ainda não é regulamentado e, por isso, é proibido por comissões atléticas de vários estados.

Os eventos são feitos geralmente em reservas indígenas, que não seguem as mesmas leis dos estados. O Conan me convida para estrear com ele no profissional. E eu vou. Faço minha luta e ganho com um crucifixo, uma posição de jiu-jitsu. Sou convidado a lutar de novo, e venço também por finalização. 

No Japão, um evento chamado King of Kings junta os melhores lutadores do mundo. O Pedro Rizzo tinha uma vaga para lutar lá, mas está amarrado ao UFC com seu contrato. Essa vaga sobra. Eu, com apenas duas lutas profissionais de MMA, mando para o Akira Maeda, o dono do evento, umas fitas com imagens dos meus treinos e lutas. Ele gosta e me convida para essa vaga do primeiro King of Kings. 

Começa assim minha carreira no Japão.



T01, E05: O Pride

Fico em terceiro lugar no King of Kings. Perco para Dan Henderson numa luta em que sinto que fui roubado. No ano seguinte, mais preparado, sou campeão. 

O vencedor do evento costuma ser chamado para o Pride, que passa por uma enorme explosão de popularidade no Japão. É isso que acontece comigo no meio de 2001: o Pride me chama. Minha primeira luta é em setembro. Nela, finalizo Gary Goodridge, que era experiente e a aposta de todos, muito rapidamente. 

Sou escalado para lutar com o Mark Coleman, campeão da categoria aberta do ano anterior, em um quadrangular pelo título. Devo enfrentar Coleman, e Mark Kerr luta contra Heath Herring. Depois, os campeões dos dois combates se cruzam pelo cinturão dos pesos-pesados.

Meu combate contra Coleman é marcado. Viajo para o Japão e, três dias antes, recebo uma ligação da mãe da minha filha Tainá. Ela me diz que minha avó tinha morrido.

Aquilo me derruba. Coleman era o campeão mundial, aquela era a luta mais importante da minha vida. Mas era a minha avó, quem mais acreditava no meu projeto de ser lutador, aquela que ficou 11 meses rezando no pé da minha cama.

Meu chão some de repente. Tento me levantar e fico tonto. Não faço os últimos treinos antes da luta. No dia do combate, acordo e respiro. Vou ao banheiro, olho no espelho e falo para mim mesmo: “Vamo nessa!”.

Aquela é, tecnicamente, a melhor luta que faço na vida. Os movimentos são todos perfeitos. Finalizo Mark Coleman com um triângulo. É a luta que mais me marca porque, emocionalmente, é a mais dura para mim. 

Rodrigo Minotauro MMA
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Minha terceira luta no Pride é, portanto, com Heath Herring, já pelo cinturão. E, depois de um combate que foi para a decisão dos juízes, em novembro de 2001 eu sou o novo campeão dos pesados do Pride.

Entre 2001 e 2006, encho locais como o Saitama Arena, o Estádio Nacional de Tóquio e o Tóquio Dome, com até 100 mil pessoas. Faço 22 lutas pelo evento e perco apenas três.

Viajo para o Japão e, três dias antes, recebo uma ligação da mãe da minha filha Tainá. Ela me diz que minha avó tinha morrido.

Rodrigo Minotauro

No último dia de 2006, o Pride já está em decadência e os fãs sabem que vou fazer minha última luta. Estou em negociação com outros eventos. Venço a revanche contra Josh Barnett, e pego o ônibus que leva os atletas da arena de volta ao hotel.

Abro minha janela e percebo uma movimentação. É um grupo de fãs japoneses que me chama: “Nogueira! Nogueira!”. Aceno. O ônibus parte. E eles vêm atrás. O grupo cresce. “Nogueira! Nogueira!” O ônibus para no semáforo e eles nos rodeiam e continuam gritando. O farol abre e saímos, mas o grupo não desiste e continua indo atrás.

Aquela é a melhor e mais emocionante despedida que já vi.



T01, E06: O UFC

Em 2003, o Pride faz o Pride Final Conflict, e o UFC envia o Chuck Liddell para o Japão para representar a organização no GP peso-médio. Dana White, o presidente, e Lorenzo Fertitta, um dos donos, vão ao Japão também — e nos encontramos na festa de encerramento do evento.

Eles me chamam e falam: “Um dia você vai trabalhar comigo”. Acho graça, porque não imagino aquilo. 

Corre para 2007. Dana e Lorenzo dizem que querem falar comigo e me chamam para ir a Las Vegas. Tenho um contrato com o Pride e vou para um papo que não pode envolver negociação. Conversamos, eles reafirmam a vontade de trabalhar comigo, mas dizem que vão esperar vencer meu tempo no Pride.

Meu contrato acaba em uma sexta e, no sábado, Dana White anuncia na coletiva de imprensa do UFC que eu faço parte do evento. Fico surpreso, mas muito feliz.

Minha primeira luta é, de novo, contra Heath Herring — e eu o venço mais uma vez. O Randy Couture, o campeão na época, não renova o contrato. O título fica vago e Tim Sylvia e eu, em minha segunda luta pela organização, somos anunciados para a disputa do cinturão.

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É minha primeira vez em Vegas. Estou andando pela Strip, a rua principal da cidade, e me espanto ao ver um puta outdoor, um monstro, com a minha imagem. No fim da rua tem outro, com a cara de Tim Sylvia. A luta é no Mandalay Bay, onde aconteceram os combates do De la Hoya, do Mike Tyson… Cresci vendo isso. 

Tenho uma grande dificuldade em levar a luta pro chão. Finalmente ele cai, levanta e eu o puxo pra guarda. Treinei aquele movimento exaustivamente todos os dias. Caio na lateral dele, passo a perna por cima de sua cabeça, ele esgrima e entra a mão embaixo do meu braço. É quando eu encaixo uma guilhotina. E venço.

É uma noite inesquecível. Lembro que escolhi essa profissão quando assisti um UFC pela primeira vez. Nunca tinha visto um negócio tão interessante, fecharem dois caras dentro de uma grade e os colocarem para lutar. 

E, 15 anos depois, eu sou o dono do título dos pesados daquele evento.



T01, E07: O Brasil

Volta novamente o tempo, agora para 2001. O Pride não é transmitido no país e, por isso, eu e outros lutadores como o Bebeo Duarte levamos fitas com os torneios para o SporTV, para ajudar a popularizar o MMA por aqui.

Em 2003, o jornalista Fernando Flores, que faz o trabalho de comunicação para mim, envia um convite para Glória Maria, do Fantástico, cobrir uma luta minha no Pride.

Ela aceita, sem compromisso de fazer uma reportagem. Mas passa vários dias conosco no Japão — e faz uma baita matéria. O MMA começa a ganhar uma cara melhor no Brasil.

Salta para 2008, quando ganho o título do UFC. Sinto que a popularidade do esporte no meu país cresce. Mas nada é comparado a 2011, quando o UFC volta para um evento presencial no Rio de Janeiro.

A imprensa abraça o UFC Rio, que é transmitido na TV aberta. O card tem Anderson Silva, Shogun, Edson Barboza, eu e vários outros brasileiros. Vou lutar com Brandon Schaub, que é o upcoming, uma promessa.

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É minha primeira oportunidade de lutar no meu país. Só que eu enfrento dificuldades. Volta para 2008: começo a ter dores fortes no meu quadril. Depois de investigar muito, me consulto com o maior especialista na área, o americano Marc Philippon. 

Ele me diz que tenho que operar os dois lados. A cirurgia é dura: os médicos fazem microfraturas no osso para estimular o aumento da cartilagem. Faço a primeira no fim de 2010.

Dois meses andando de muleta depois, tenho que fazer a segunda cirurgia, em fevereiro de 2011. Em maio, estou voltando a andar. É uma corrida contra o relógio até agosto, data do evento. 

A fisioterapeuta Ângela Côrtes me ensina novamente a ter perseverança, força de vontade. O protocolo que temos para a fisioterapia é de quase 320 horas por perna. Se fizermos duas horas por dia, vai levar um ano. Mas temos só três meses e meio. Fazemos então até oito horas de fisioterapia diárias. 

Três meses antes da luta, na coletiva de imprensa do Copacabana Palace, ainda estou de muleta. Meu irmão, o Anderson Silva, o Rafael Feijão, todos me falam: “Você vai mesmo? A gente pode cancelar essa luta”. 

Não quero cancelar. Eu preciso dela. Venho acompanhando esse esporte faz muito tempo. E agora que um evento deste tamanho vem ao meu país, eu preciso fazer parte. Minha intuição é que ele vai bombar aqui.

Chega o dia do UFC Rio. Faço muita mentalização antes da luta e, na hora do combate, vejo a arena lotada. Os gritos de “Uh, vai morrer!” para o adversário, típicos do torcedor de MMA brasileiro, me arrepiam. 

Venço Brendan Schaub com um nocaute, um direto de encontro que treinei mais de 100 vezes com o Cigano. A sensação é de glória. 

Depois disso, ando na rua e, pela primeira vez no meu país, as pessoas todas me cumprimentam. O pedreiro desce do andaime pra tirar uma foto. A mulher que limpa minha casa, que mal me conhecia, fala com orgulho no telefone que trabalha para mim. A amiga da minha tia sabe quem eu sou.



T01, E08: A aposentadoria

Costumo sempre subir até o Cristo Redentor correndo pelo circuito das Paineiras. Tem uma parte que é mais íngreme, que subo no gás mesmo. Faço em 21 minutos, deixando todo mundo pra trás.

Estamos em 2015, e percebo que não consigo mais subir no mesmo ritmo. Levo 24 minutos, três a mais, e fico pra trás de quase todo mundo. Meu corpo já não responde como antes. Noto também que, nos treinos, já não tenho aquele equilíbrio nas entradas de queda.

Estou em oitavo no ranking, o que me deixa mal. Sempre estive entre os três melhores da categoria. 

É agosto, estamos no UFC 190, no Rio de Janeiro. Enfrento Stefan Struve e  perco por pontos, mas faço uma luta OK. Saio do octógono e Dana vem ao meu encontro. Me pergunta: “Você está cansado?”. Digo que sim. E ele fala: “Você tem vontade de trabalhar com a gente? I've got a chair for you”. 

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Pedro Bodick/The Players' Tribune

É assim que eu decido parar de lutar e assumir o posto de Embaixador do UFC no Brasil, sem nem anunciar minha aposentadoria antes. Hoje, dou suporte para os atletas brasileiros e, de certa forma, indico alguns novos, que estão despontando, para fazer parte do evento.

Ainda sinto falta dos momentos no octagon. Sinto falta de acordar com aquele compromisso de treinar, do camp de três meses para uma luta, de ter um objetivo claro. Sinto falta do frio na barriga da proximidade da luta. 

Quando isso acontece, lembro dos momentos bons — e foram vários. Lembro daquela criança que amava dobrar o quimono e fazer mil repetições dos movimentos. Lembro daquele garoto que estava morrendo nos braços do pai e que ficou um ano sem andar. Daquele jovem que se encantou vendo fitas cassetes de um evento que acontecia numa jaula. Da lealdade e do sacrifício do meu irmão para nunca lutarmos um contra o outro. De toda força da nossa família para resistir às porradas da vida.

Se eu fosse o roteirista, é assim que essa série terminaria. Mas só a primeira temporada, porque ainda espero ter muitos episódios para viver.

Rodrigo Minotauro autografo

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