Carta Para Mim Mesma no Futuro

Sam Robles/The Players' Tribune

Oi, Rayssa. De boa?

Aqui quem te escreve é tu. Quer dizer, eu: você quando tinha 15 anos. Bom, sou eu escrevendo pra mim mesma no futuro, então é pra você. 

Que confusão, kkkkkk. 

Doideira.

Mas contaí: como é que tá a vida aos 30 anos? Tu ainda pira em montanha-russa apesar do medo de altura? Tirou carta de motorista aos 16 nos Estados Unidos? Já casou? Teve filhos? Deu skate pra eles, né?!

E Paris 2024?

Nós fomos? Eu dei outra entrevista chorando na final? Olimpíada é demais! Tô ansiosa e treinando bastante. Quero fazer bonito de novo.

Me conta tudo, vai! Como você tá? Sabe, eu te imagino um pouco mudada. Uma mulher mais alta, mais forte. Cabelo curto ou longo? Acho que longo ainda. E o sorriso tá igualzinho, sem tirar nem pôr. Certeza que você continua sorrindo muito! Ainda bem.

Tô curiosa pra saber onde você tá morando aí em 2038. Mudou de vez pra Los Angeles e passa férias em Imperatriz? Ai, como é duro deixar o Maranhão. Aposto que você também sente uma saudade monstra da nossa terra, diz aí…

Rayssa Leal criança infancia
Cortesia de Rayssa Leal

Saudade de Imperatriz, saudade da chácara em Davinópolis, saudade de correr descalça lá e comer acerola catada no pé com tempero. Como eu amo a chácara <3! A nossa pista no quintal acabou de ficar pronta e tá top demais. A bisa nem acredita. Todo dia ela olha admirada e pergunta: “Como coube tudo isso aqui dentro?!” Ficou pro mesmo, não falta nada.

Quando eu tô no Brasil é lá que eu treino. E nos fins de semana mamãe chama os amigos da família, assim a gente se diverte junto, troca ideia, vai na piscina e eles me contam o que rolou nos dias que eu não consigo ir pra aula por causa das viagens e das competições. 

Ah, tomara que você ainda vá bastante na chácara pra andar de skate, comer acerola, ficar com a família e os amigos. E tomara também que você não tenha esquecido de uma coisa massa que eu percebi agorinha por esses dias. É importante.

Vou contar e você vê aí se lembra.

Eu tava aprendendo a dar o hurricane de front quando me bateu esse pensamento. Assim: aprender manobra nova é complicado, mas andar de skate é tão maravilhoso que fica simples, porque é quando eu mais me divirto. Eu sou feliz em cima do skate. Nunca me sinto mal. Nunca, nunca, nunca. E se a gente for ver é um sentimento simples, né? Não precisa de maiores explicações.

No skate eu sou feliz e prontinho, cabou, the end.

Você já fez um monte de coisa que pra mim ainda é só vontade, né, Rayssa do futuro?

Rayssa Leal

Aí, tendo essas ideias, eu me liguei que na vida a gente precisa aproveitar os momentos simples. São eles que vão marcar nossa memória. São eles que vão aquecer o nosso coração quando a gente ficar velhinha. Bom, eu só acho que é assim, mas você que tá velhinha deve saber melhor kkkkkk. Agora sério: fiquei curiosa pra saber se você lembra do dia em que a gente aprendeu a dar o hurricane de front e viajou nessas paradas. Lembra?

Ai, Rayssa, eu tenho tanta coisa pra te contar, pra te perguntar... Mulher, se eu te contar, tu nem acredita!

É que a nossa vida mudou tanto e tão rápido nesses primeiros 15 anos. Só de pensar em mais 15 pra frente eu fico aflita. Parece aquele nosso medo de errar manobra em competição, sabe? Você ainda tem isso?

Diz que não, por favor. Diz que superou.

Porque é uma sensação que nem combina com o que o skate representa pra gente, falaí. A maior parte do tempo é só paz e felicidade, zero pressão, igualzinho da primeira vez que a gente andou, você lembra?

Foi a primeira primeiríssima vez mesmo!

Eu subi, me equilibrei de cara e já saí remando, pra espanto do papai e do amigo dele que tinha me emprestado o skate. A gente tinha 5 aninhos. Lembra da cara de “desacredito” deles? Kkkkkk. Esse dia foi loko! 

Rayssa Leal manobra skate
Sam Robles/The Players' Tribune

Claro que eu não tinha noção ainda, mas hoje eu entendo melhor: o skate é a minha respiração. É nele que eu brinco, crio, me sinto feliz, inteira, me sinto eu. Pode ser na rua, no Street League, Olimpíada, o que for. É no skate que eu vivo pra valer. Mas tem esse medinho de errar manobra, né? Talvez aí no futuro você tenha entendido que isso também fazia parte, era importante pro nosso crescimento como atleta. E olha que louco…

Outro dia, na entrega de um prêmio em Paris, eu trombei o Messi e fiquei com vontade de perguntar se ele sente medo de errar um pênalti como eu sinto de errar um flip, sei lá. Mas tive vergonha e aí só tirei foto com ele. Mas na próxima vez você não deixa passar, hein, dona Rayssa!

Pergunta pro Messi se ele tem medo de errar pênalti. E se um dia trombar o Cristiano Ronaldo conta que você imitava ele pra treinar cobrança de falta. O nosso irmão Arthur de goleiro, tadinho, nem via a cor da bola. Ô, se não andasse de skate é bem provável que a gente se tornasse jogadora de futebol igual a Ary Borges, né não? Braba a Ary. Guerreira do nosso Maranhão competindo nos EUA também. Minha best, adoro ela.

Bom, falando em EUA, eu preciso te contar uma coisa que tá sendo difícil pra mim. É a falta dos meus pais. A parada mais dura de me acostumar aqui em 2023. Sinto falta até das broncas deles, você acredita?

Também, né?!

Desde o começo foi a mamãe que sempre viajou comigo.  Sempre junto, dando força, cuidando dos ralados no joelho enquanto papai cuidava do pequenininho. Todo tombo que eu levei mamãe estava perto pra me ajudar a levantar. 

Só que este ano ela decidiu ficar mais em casa com o papai e o Arthur, o nosso mano, pra ajudar no sonho dele de ser jogador de futebol. Eu entendo isso, claro. Ele precisa da mamãe por perto também. Então, nos campeonatos eles vão me ver, nós ficamos juntos, mas no dia a dia de treino aqui em Los Angeles eu sinto falta. E a gente só conseguiu fazer tudo isso, só conseguiu remar pra tão longe por causa da mamãe e do papai, você sabe tão bem quanto eu.

Eles bancaram a nossa alegria de criança quando todo o resto da família dizia que skate não era coisa de menina. Menos o vovô, que me apoiava também. Ele até me deu um skate uma vez. 

Eu sou feliz em cima do skate. Nunca me sinto mal. Nunca, nunca, nunca.

Rayssa Leal

Ah, nossa! Você não imagina o que eu descobri outro dia.

Sabe aquele primeiro campeonato mirim de skate em Blumenau? A gente tinha 7 anos. Eu entrei num shopping e usei um daqueles secadores de mão automáticos no banheiro. Era um barulho enorme e eu nunca tinha visto aquilo na minha vida. Mas naquele dia eu senti que a minha vida de skatista tava mudando e a mudança ia ser braba. Bom, mas o que eu descobri, porque mamãe me contou só agora, foi que a gente viajou de Imperatriz pra Blumenau, de ônibus, com passagem só de ida.

Olha que loucura!!!

Não tinha grana pra volta e nem isso parou a mamãe e o papai. A família lá buzinando no ouvido deles e a mamãe falando: “Mas deixem a Rayssa ser feliz!”. Eu ganhei aquele campeonato. Mas como não tinha prêmio em dinheiro, só em peças, rodinhas e roupas, mamãe pediu emprestado e conseguiu o suficiente pra voltarmos até Brasília. Lá pediu mais um pouco pra chegarmos de volta em casa.

Essa é a dona Lilian!

Outra coisa massa que a mamãe fazia e que eu duvido que você tenha esquecido: ela achava manobra nova no YouTube e vinha mostrar. “Olha essa, Rayssa! Essa você consegue fazer!” Acho que vem daí a vontade que eu sinto hoje de inspirar outras crianças, principalmente outras meninas, a fazer coisas que elas nunca fizeram antes, encontrar o que deixa elas contentes e realizadas.

Eu ainda acho um pouco estranho ser famosa, mas entendo direitinho a minha força quando uma garotinha vem me pedir autógrafo no shape ou quando uma mãe me agradece contando que, depois de me ver na Olimpíada de Tóquio, o filho dela saiu do celular, saiu do quarto e foi brincar mais na rua. Isso é massa! Eu fico até emocionada.

Skate é brincadeira, mas é sério, né moço? Kkkkk. É mágico também.

Rayssa Leal Players Tribune
Sam Robles/The Players' Tribune

Você já reparou pra quantos lugares diferentes ele levou a gente? 

Gosto de viajar, conhecer pessoas, culturas e paisagens novas. Inclusive, ano que vem, depois da Olimpíada em Paris, eu bem que queria visitar a Grécia. Adoro estudar sobre a Grécia na escola. Preciso ir lá. Mas algo me diz que você já foi, né, Rayssa do futuro? Você já fez um monte de coisa que pra mim ainda é só vontade.

Tudo bem, tudo bem… Eu empato esse jogo subindo no skate e construindo boas memórias pra você, deixa comigo.

Vou ficando por aqui.

Treina forte, se diverte e curte a Olimpíada do ano que vem!

Um beijo da sempre sua,

Rayssa



PS: Quando puder, me responde essa cartinha contando como é dirigir aos 16 e onde fica o melhor pico pra andar de skate em Atenas?

Grata.

Autografo Rayssa Leal fadinha skate

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