Eu Tenho Uma História Para Contar

Sam Maller/The Players' Tribune

Eu me recordo do exato momento em que eu percebi que lendas da NBA não eram PORRA NENHUMA.

Meu mano Sam Cassell me levou pra sair na noite anterior ao meu primeiro jogo na NBA. Nós íamos jogar contra o Bucks em Houston e ele sabia que eu ia dar uma surra nele. Mas Sam é de Baltimore, e eu sou de D.C., então esse cara estava tentando um truque da mente jedi para eu acreditar que ele estava me fazendo um favor me mantendo na rua até às 6h da manhã, me dando todos esses conselhos de irmão. Nós não estávamos nem curtindo, cara! Era tudo parte do golpe. Nós estávamos numa boate, bebendo chá gelado ou qualquer coisa, e ele estava me contando tudo sobre o que eu tinha que fazer para sobreviver na NBA.

Depois de um tempo, eu fiquei tipo: “Mano, eu acho que eu preciso ir embora.”

Ele me vem com: “Nah, o que você precisa fazer é sentar aí e me ouvir dizer como você lida com essas interesseiras.”

Esse filho da p**a me deixou hipnotizado. Então, por volta de 5h da manhã, a energia toda mudou. Agora ele me diz como ele vai me surrar na noite seguinte. Eu tô tipo: “Ei, pera aí…”

“Eu tô te dizendo, Steve. Eu vou arrebentar essa tua cara sonolenta. Descanse.”

Nós saímos daquela boate com o sol já raiando. Eu tenho que estar no ginásio em tipo... Cinco horas. Eu nem estou bêbado. Eu não estou nada! Eu só tenho a merda que o Sam disse zumbindo na minha orelha, e eu sentindo como se estivesse de pé por três dias.

Cara, ele meteu 35 pontos em mim naquela noite. Eu estava tão cansado no primeiro quarto que eu pensei que estava prestes a desmaiar. Agora, lembre-se, eu sou um rookie ferrado num time com Charles Barkley e Hakeem “The Dream” Olajuwon. Esses caras estavam na rodinha olhando pra mim como se eu não fosse p***a nenhuma. Rudy T me olhando tipo: “Nós trocamos 15 filhos da p***s com Vancouver por isso?

Eu chutei 4 para 13, e nós perdemos. Eu topei com o Sam depois do jogo, e ele disse: "Não se esqueça, nós somos amigos fora da quadra, mas na quadra…”

Eu respondi: “Seu filho da p**a malandro!”

Mas, lição aprendida. Agora eu conheço o jogo, certo?

Algumas semanas depois, nós estamos jogando contra o Sonics. Eu idolatrava Gary Payton quando era pequeno. Então nós estamos no avião para Seattle, e Rudy T me sentou ao lado de Hakeem de propósito. Ele sabia o que ele estava fazendo. Ele queria que eu aprendesse.

Nós estamos prestes a decolar, e eu estou sentado com meus fones de ouvidos gigantes, ouvindo Jay-Z.

Hakeem está sentado lendo o Alcorão. Não dizia uma palavra.

Então, ele me deu uma olhada. Você sabe como o Dream é. Ele só vai te olhar – super sábio, super calmo. Cada palavra que sai da boca do cara é como se viesse diretamente do Deus todo poderoso.

Eu disse: “E aí, Dream?”

Dream disse: “Steve”.

Eu estou tipo: “Sim, Dream?”.

“Steve, você anda por aí vestido como um motorista de ônibus.”

“Qual foi, Dream.”

“O que são esses sapatos de construção que você tá calçando?”

“Eles são Timberlands, cara. Qual foi.”

“Steve, deixa eu te ajudar. Venha para o meu alfaiate comigo, e nós vamos te arrumar 10 ternos. Feitos sob medida. Cashmere.”

“Qual foi, Dream.”

“Cashmere, Steve.”

“Dream! Ei…”

“Venha comigo, Steve. Venha ao meu alfaiate.”

Hakeem Olajuwon Steve Francis
Bob Levey/GettyImages

Frio como gelo. Bem assim. Dream estava à frente do seu tempo. Os caras da NBA estão andando por aí agora vestidos como ele se vestia. Mas eu não estava tentando ouvir. Você tem que entender uma coisa sobre a minha história, e realmente vai parecer impossível para alguém com menos de 20 anos. Porque praticamente todos esses caras na NBA de agora chegam do mesmo jeito. Escola preparatória. AAU. Tênis de graça. Refeições de graça. Um ano no college e NBA. E isso é uma coisa boa. Bom para eles, cara.

Mas eu?

Quatro anos antes de estar naquele avião com Hakeem me dizendo que nós íamos comprar ternos de cashmere juntos – quatro anos antes de eu estar prestes a jogar contra Gary Payton – eu estava na esquina da Maple Ave em Takoma Park, Maryland, vendendo drogas do lado de fora do restaurante chinês.

Minha mãe tinha falecido. Meu pai estava em uma penitenciária federal. Nós tínhamos 18 pessoas vivendo em um apartamento. Eu tinha largado o ensino médio. Sem bolsa. Sem diploma. Sem nada.

Isso é 1995! Eu estou assistindo Allen Iverson destruir por Georgetown na estrada acima da minha, e eu estou parado na esquina o dia todo construindo meu pequeno império das drogas, só tentando não ser roubado, e então de noite, eu estou jogando um basquete no porão de um quartel de bombeiros.

Nem todo mundo conhece a minha história de verdade. Às vezes eu mesmo me pergunto: “Cara, como diabos você chegou naquele avião com o Dream?”

Eu vou te contar. Mas primeiro, eu não posso esquecer de Gary Payton. Escuta, cara… eu estive com uma quantidade inacreditável de falastrões na minha vida. Eu estive com alguns caras melhores que GP. Muito mais criativos, muito mais sinistros. Mas esse cara… esse cara era tipo um volume shooter em falar merda. Ele não calava a boca desde o minuto que entrávamos na quadra. E como eu disse, eu o idolatrava. Então não tinha outra opção – eu tinha que acabar com ele.

E eu acabei com ele.

Procure as estatísticas. Eu ACABEI com ele.

Ele chutou tipo 30%. E eu sei que algum nerd vai ir no meu Twitter dizer: “Nah, Steve, NA VERDADE, eu procurei o boxscore no Google e ele NA VERDADE chutou 39%.”

Qual foi, cara, eu DE VERDADE acabei com ele.

Eu tive 27 pontos em 20 chutes, eu sei disso com certeza. Eu acho que Seattle até ganhou da gente naquela noite, mas eu deixei o Gary tão balançado que ele não conseguia acreditar. Você sabe como foi? Sabe quando o Scoby-Doo e os amigos dele finalmente pegam o vilão no final de cada desenho, e enquanto os policiais estão levando ele em algemas ele está gritando para o grupo, falando merda?

GP estava andando de volta para o vestiário tipo: “Só espera, seu rookie vagabundo do caralho! Espera até eu ir em Houston! Eu vou te pegar, Steve Francis! Eu ainda vou te pegar, seu rookie vagabundo filho da p**aaaaaaa!”

Eu entrei naquele avião de volta para Houston, tipo: Nós conseguimos, cara.

Nós saímos da esquina para isso.



Eu não estou tentando romantizar a venda de drogas. Não tem nenhum glamour nisso. Mas você tem que entender de onde eu venho, e quando. Eu cresci em D.C. nos anos 80 durante a epidemia do crack. Nunca chame de era do crack. Era uma epidemia. O crack devastou nossa comunidade inteira. Era como uma praga, cara. Eu assisti. Eu vivi. Eu vendi.

Minha primeira memória na vida é ir visitar meu pai na penitenciária federal em Dia de Churrasco, e ter um policial levando eu e minha mãe para uma sala de espera. Eles tiraram nossas roupas e nos revistaram. Eu tinha, tipo, três anos de idade. Não importava.

“Abaixe as calças dele.”

Era assim que as pessoas costumavam passar drogas para dentro das prisões. Isso era quão desesperado ficava. Meu pai estava lá por 20 anos por assalto a banco – na época em que você ainda era capaz de assaltar bancos. Aquela era a velha guarda, dos anos 80, arma e touca ninja, na correria. Ele era um cara conhecido em D.C. Assim como eram meus irmãos mais velhos. Essa simplesmente era a minha realidade. Mas eu era novo pra cacete, e quando minha mãe e meu pai se separaram, a mensagem dela para os meus irmãos era sempre: “Não o Steve. Nunca o Steve. Ele tem que ser diferente.”

Players Tribune Steve Francis NBA
Sam Maller/The Players' Tribune

Mas a coisa é, naquela época, D.C. era uma caixa de 65 quilômetros quadrados de drogas, garotas, armas, brigas e pessoas apenas tentando sair daquilo de qualquer maneira possível. Minha mãe era enfermeira. Meu padrasto, gari. Nós tínhamos 18 pessoas vivendo em um apartamento de 3 quartos e os vale-refeições não estavam sendo suficientes. Então, quando eu era criança, eu ficava nas esquinas com meus amigos, tentando enturmar com todos os caras mais velhos, tentando fazer uma grana para que eu pudesse comprar uns chicletes ou alguma outra coisa.

Quando eu tinha 10 anos de idade, eu consegui meu primeiro emprego como o garoto do telefone.

Você sabem o que é um garoto do telefone?

Era fácil. Eu esperava do lado de fora do restaurante chinês e sentava na calçada do orelhão, parecendo todo inocente, e quando o telefone tocava, eu atendia. Era sempre gente procurando por drogas, procurando por garotas, procurando qualquer coisa. Eu dizia a eles onde encontrar os traficantes, e era isso. O dia todo, a noite toda. Eram 50 traficantes de drogas em uma esquina, 50 traficantes de drogas parados na outra esquina. E então o pequeno Steve, parado do lado do orelhão.

Steve Francis jogador basquete
Cortesia de Steve Francis

Não tinha mais nada para fazer, então, para passar o tempo, eu costumava chutar a bola de basquete dentro da cabine do orelhão. Nós arrancamos o teto, e tinha espaço suficiente para a bola se espremer para dentro. Mas era quadrado, então você tinha que acertar perfeitamente com um chute muito curvado, e mesmo se você conseguisse, costumava chacoalhar nos dois lados da cabine.

Eu ficava lá a noite toda… crossover, crossover, chute de step-back, dddddddrrrrrrrrrrrrrrrrrrr-rat-tat-tat-tat.

Eu chutei um milhão de arremessos naquela cabine telefônica. Vários dias, eu estava fugindo dos ônibus, fugindo dos meus professores, e, definitivamente, fugindo dos meus irmãos mais velhos e da minha mãe. Eu escondia tudo deles, mas eu ainda estava indo bem na escola (quando eu aparecia). Então eu era apenas o “Pequeno Steve com a bola de basquete” para quase todo mundo no bairro. E eu era pequeno. Eu pedia à minha avó para me medir com uma caneta todo santo dia. Nós marcávamos na parede, e eu não estava ficando mais alto. Eu tinha 12, 13… ainda não crescia.

Eu apareci para os treinos de basquete no primeiro dia de ensino médio, pensando que eu era o cara, e eles me cortaram. Eles queriam que eu jogasse com o fundamental porque eu era pequeno demais. Aquilo me arrebentou. Eu saí da quadra e nunca mais joguei um jogo de ensino médio, exceto por dois jogos.

Dois jogos, na minha carreira inteira no ensino médio. Dá para acreditar nisso? Eu joguei um pouquinho por um time de AAU, e joguei pelada, e foi isso. Eu acho que eu provavelmente deveria ter abaixado a cabeça e treinado duro, mas você tem que entender quão complicado tudo é quando você está crescendo na pobreza. Nós estávamos sempre de mudança. Eu fui para 6 escolas diferentes no ensino médio. Eu não tinha nenhuma estabilidade. Eu sentia que eu estava crescendo dentro de uma pipoqueira.

Eu cresci em D.C. nos anos 80 durante a epidemia do crack, que devastou nossa comunidade inteira.

Steve Francis

É engraçado, eu lembro de contar para as pessoas: “Eu vou casar com a Janet Jackson um dia”. Janet Jackson era a garota mais bonita do mundo para mim. Mas eu tinha 15 anos de idade, vivendo de vale-alimentação, pequeno pra cacete, crescendo em volta de viciados em crack, e eu nem conseguia jogar basquete de ensino médio. Como eu vou sair daqui e ver qual é a da Janet?

Então eu continuei na esquina, fazendo o que eu tinha que fazer para sobreviver. Era pesado. Eu não estou glorificando isso. Eu fui roubado com uma arma mirada em mim um milhão de vezes. Eu fui surrado um milhão de vezes. Eu vi carros atirando. Mas honestamente, se você me perguntar o que realmente me assustava mais, não eram as armas. Tiroteios eram quase… naturais. Quer dizer, o que você acha que vai acontecer quando você tá nas ruas? A coisa mais assustadora eram as drogas. As agulhas, cara. Os cachimbos. O pó de anjo. As pessoas caíam com aquele olhar nos olhos delas. Estava em todo lugar. Elas eram pessoas comuns – enfermeiras, professores, carteiros. O prefeito de D.C., Marion Barry.

Era o apocalipse zumbi. Esse é o ambiente em que estávamos vivendo, todo dia, todo minuto.

Quando eu tinha 18, minha mãe morreu de câncer, e foi o fim para mim. Eu estava acabado. Qualquer esperança que eu tinha… esquece. Eu desisti completamente de jogar basquete. Larguei meu time de AAU. Parei de jogar no parque. Eu larguei a escola, e o meu tráfico de drogas foi para um outro nível. Na minha mente, eu ia construir meu pequeno império, até me matarem ou me prenderem, e era isso.

Tipo, eu não tô no radar de nenhuma universidade. Minha mãe tinha partido. Então qual era o sentido de qualquer coisa?

A única coisa que me salvou foi algo que meu técnico do AAU, Tony Langley, me disse. Ele era um policial aposentado, e ele tinha aquela sabedoria de um policial aposentado. Ele costumava dizer: “Eu estou te dizendo como vai ser, Steve. Daqui dez anos, você vai ver os mesmos caras, nas mesmas esquinas, fazendo a mesma merda. E eles vão estar usando os Filas mais novos, ou os Jordans mais novos, parecendo estilosos. Mas você vai olhar para eles, e eles vão estar outro ano mais velhos, e outro ano mais velhos, ainda fazendo a mesma merda, ainda sendo assaltados, todo dia. Você pode fazer alguma coisa diferente.”

Aquilo ficou na minha cabeça. Eu não conseguia parar de pensar naquilo. Eu tinha uma saída, mas não era exatamente Duke, vamos dizer assim. Era a Universidade de San Jacinto… no Texas. Um dos técnicos dele tinha me visto jogar num torneio de AAU, e eles disseram que tinham uma vaga no elenco para mim. Quer dizer, universidade comunitária? E o que eu sei sobre o Texas?

San Jacinto Junior College

Mas minha avó me convenceu que isso era o que minha mãe queria de mim, e eu só aceitei. Eu fiz meu supletivo, e minha vó me deu 400 dólares e uma passagem de avião para Houston. Os técnicos de San Jacinto me buscaram no mesmo aeroporto que os técnicos de Houston buscaram Dream quando ele veio da Nigéria. E honestamente, eu provavelmente estava tão assustado quanto ele. Eram 30.000 pessoas brancas e seu garoto Steve. Choque de cultura total. Mas eu finalmente tinha alguma estabilidade. Eu tinha uma cama. Eu tinha uma vaga no elenco. E com isso na mala, eu tô dizendo, eu fui lá e destruí.

Pergunte ao Shawn Marion. Vá em frente e pergunte a ele. Ele estava jogando por Vincennes University naquela época, e ele era um All-Americana no College Comunitário. Ele deveria ser o cara. E nós fomos para Indiana e eu destruí ele. Eu tive um quadruplo-duplo na cara dele. Eu lembro quando nós dois entramos para a NBA, nós estávamos rindo sobre isso em algum aquecimento, e ele me disse que ele na verdade tem a fita cassete do jogo em algum lugar na casa dele. A fita existe. Por 20 anos. Eu tenho perguntado ao Shawn onde diabos aquela fita está, e ele tem desviado de mim.

SHAWN, CADÊ A FITA?!

MOSTRE AO MUNDO A FITA, SHAWN.

Eu estava simplesmente destruindo pessoas. Mas ainda assim, era a universidade comunitária. Meu sonho naquele momento – e isso vai soar engraçado para algumas pessoas – mas meu sonho era estar em um campus universitário de verdade com minha mochila nas costas, andando para a aula. Eu me imaginava em Georgetown ou Maryland, só no campus, relaxando, andando para a aula. Era simples assim. Era isso que eu sonhava.

Um ano mais tarde, eu tinha Gary Williams e John Thompson ligando para saber de mim. Oklahoma e Clemson estavam vindo duros atrás de mim, também, mas eu cresci assistindo Len Bias e Patrick Ewing. Para mim, era Maryland ou Georgetown, ponto.

E quase foi Georgetown. Mas eu nunca vou esquecer a conversa que eu tive com John Thompson. Ele disse: “Steve, nós gostamos de você. Nós gostamos. Mas eu acabei de ter Allen Iverson. Eu não posso ter você logo depois do Allen. Eu simplesmente não posso, Steve. Eu vou ter um infarto”.

Eu respeitei. Ele estava certo. Ele viu todos aqueles interesseiros que estavam em volta do Allen o tempo todo em Georgetown, e ele sabia que eles estariam esperando pela minha chegada. Então meu terceiro ano, quando eu já tinha 21 anos, eu me transferi para Maryland.

Eu era um Terp.

Olha, você pode dizer o que você quiser sobre mim. Eu fiz muita merda na minha vida. Eu não sou perfeito. Mas no primeiro dia de aula em Maryland… naquele dia? No dia que eu tinha meus livros, e minha mochila com os livros, e as pessoas no campus gritando por todo lado: “Ei, Steve Francis! E aí, cara?”

Naquele dia? Você não podia me falar nada. Eu estava no topo do mundo, cara. Minha mãe choraria até ficar sem lágrimas vendo aquilo.

Meu padrasto na verdade conseguiu um emprego no campus como o cara que trabalhava dentro da cabine de entrada do estacionamento. Um dia eu estou voltando do treino, e eu vou até lá vê-lo, e uns caras de fraternidade estão andando tipo: “Ei! Steve Francis! Mano, seu pai é o cara!”

Eu fiquei tipo: “Do que vocês estão falando?”

“É, cara. Ele deixa a gente entrar de graça. Ele é tão maneiro. Ele diz que é seu pai.”

Eu entrei no estacionamento, e meu padrasto estava praticamente dando uma festa. Ele estava segurando o prato lá. Ele tinha a tevezinha dele dentro da cabine, ele tinha as suas batatas, e todas aquelas pessoas estavam ao redor bebendo cerveja, falando de basquete com ele. Cara, até minha irmãzinha estava lá com ele, e o cachorrinho dela, Precious. Era uma cena e tanto. Ele me vê entrando com meu casaco dos Terps, e eu nunca vi alguém tão orgulhoso. Ele diz para todo mundo: “Esse é meu filho. Esse é meu garoto. Universidade de Maryland. Porra.”

Ele ia me ver jogar em todos os jogos em casa. E se estivéssemos na estrada e ele estava trabalhando? Ele estaria assistindo na TV dentro da cabine dele. É engraçado porque meu pai biológico, ele costumava assaltar os estacionamentos antes de ser preso. E meu padrasto, ele trabalhava em um. Mas ele fazia seu corre honestamente. Ele se tornou meu pai de verdade. Ele era meu melhor amigo. Ele era o cara mais orgulhoso no ginásio.

Você não podia me segurar naquela época. Eu decolei. No final daquela temporada, eu era finalista do Naismith, e todo mundo estava dizendo que eu ia ser top 5 no draft da NBA.

Só pense nisso…

Aos 18, eu estou vendendo drogas na esquina em Takoma Park, sendo assaltado a mão armada.

Aos 22, eu estou sendo draftado para a National Basketball Association, apertando a mão de David Stern.

Adivinha onde foi o draft aquele ano? Washington, D.C.

Como diabos você explica isso?

Steve Francis The Players Tribune portugues
Sam Maller/The Players' Tribune

Eu me lembro desse momento, depois do draft, eu estava sentado na mesa da cozinha da casa do meu padrasto, olhando para 80 mil dólares em dinheiro vivo. Só sentado ali. Por jogar bola. Não fazia sentido. Minha irmãzinha tinha 10 anos de idade. A primeira coisa que eu fiz foi comprar um computador para ela, um desses Compaq Presario gigantes, e tudo que eu ouvi aquele verão foi Britney Spears, bem alto, naquela p***a dia e noite. A segunda coisa que eu fiz foi comprar uma casa para minha vó. Mais ou menos uma semana depois, eu comecei a receber esse monte de ligações aleatórias de credores. Ele estavam me dizendo que eu devia dinheiro a eles.

Então eu perguntei aos meus irmãos: “Que diabos são essas ligações?”

Eles disseram: “Bem, você sabe, antigamente, quando a gente não tinha dinheiro nenhum, a mãe costumava assinar as coisas no nosso nome. Esse era o único jeito da gente receber crédito”.

Cara, eu tô te dizendo, essas pessoas me ligavam dizendo: “Steven D. Francis. Ora, ora, ora. Nós finalmente sabemos quem car****** é você, amigo.”

América, cara. Eles nunca vão esquecer. Eles vão te achar. Eu estava pagando faturas de cartão de crédito de quando eu tinha oito anos de idade. Isso mostra de quão longe eu vim.

Agora, eu sei que as pessoas em Vancouver ainda estão putas comigo por forçar uma troca para sair de lá. Eu quase chorei quando eu fui escolhido pelo Grizzlies em número 2. Eu não estava prestes a ir para o malditocongelante Canadá, tão distante da minha família, quando eles estavam prestes a mudar a franquia de cidade. Eu sinto muito, mas… na verdade, eu nem sinto muito. Todo mundo vê o aspecto do negócio no basquete agora. Aquele time já era. A única coisa que eu sinto muito é que eu fui lá e provavelmente dei a entrevista coletiva mais rude da história da NBA, antes deles me trocarem.

A entrevista da “Practice?”, do A.I., não foi nada perto do que eu fiz lá.

Qual foi, cara. Canadá? Eu? Lá? Simplesmente não ia funcionar. Houston era o lugar perfeito para mim. As pessoas provavelmente não vão acreditar nisso, mas Hakeem era uma das maiores influências no meu jogo quando eu era criança. Eu costumava assistir o trabalho de pés dele, e imitá-lo. Meu crossover? Não é do MJ. Não é do Iverson. É do Hakeem. Olhe para o meu trabalho de pés e você vai ver Dream.

E foi engraçado para caramba, porque quando eu fui para o Rockets, Dream não estava muito empolgado.

“Steve.”

“Sim, Dream?”

“Seu drible…”

“O que tem ele, Dream?”

“Você está driblando muito, Steve.”

“Dream, qual…”

“Está demais.”

A Voz de Deus. O fato que eu joguei com ele por dois anos ainda é louco para mim. Eu estou sentado do lado dele no avião, e eu tenho meus fones de ouvidos grandes, Jay-Z bombando.

“Steve.”

“Sim, Dream?”

“Sua música. O que é esse barulho?”

“Qual foi, Dream.”

“Desliga isso, Steve. Eu estou tentando me concentrar na palavra de Deus.”

“Dream. Merda. Tá bom.”

NBA Houston Rockets Steve Francis
Bill Baptist/NBAE/Getty Images

O que você deveria dizer para aquilo? Eu provavelmente deveria escutá-lo mais, mas eu era um fodido. Eu estava no topo do mundo. Depois do Concurso de Enterradas em 2000, e depois de Hakeem e Charles irem embora, eu senti que Houston realmente me abraçou. Eu moro em Houston até hoje, e eu posso andar pela cidade e não importa o que, as pessoas me apoiam. Mesmo quando eu estava passando por umas coisas sombrias nos últimos anos, e eu fui preso, todo mundo em Houston ainda me apoiava. Quantos caras que só jogaram em uma cidade por cinco anos, e só chegaram aos playoffs uma vez, recebem todo esse amor?

Eu acho que é por causa da energia na cidade quando eu e Yao estávamos juntos. Ele era meu cara. Quando ele veio para Houston, nós éramos uma Dupla Estranha para car***o, cara. Um cara da China e um cara de D.C., e não era nem a língua o problema. Isso era só parte disso. Eu sou parcialmente surdo da minha orelha esquerda, e Yao é parcialmente surdo na orelha direita, e nós ficávamos tentando falar um com o outro em inglês básico.

Ele virava a cabeça: “Huh?”

Eu virava minha cabeça: “Que? Huh?”

Era ridículo. Mas ele era meu cara. Ele era o mais gentil, mais respeitoso, mais inteligente companheiro de equipe que eu já tive. Esse cara tinha 15 entrevistas antes do treino, e então as 15 entrevistas depois do treino. Câmeras seguindo ele onde quer que ele fosse fora de casa… era louco. E ele nos perguntava: “Tudo bem para vocês as câmeras? Elas te incomodam?”

Esse é o tipo de pessoa que ele era. Ele foi meu companheiro de time favorito, disparado. Ele era um jogador tão bom também. Eu ainda penso no que poderia ter acontecido se Yao não tivesse forçado para voltar das suas lesões, e se eles só tivessem nos mantido juntos. Isso ainda me persegue. Nós teríamos algumas corridas. Todo mundo em Houston sabe disso.

Mas o que eles fizeram? Me trocaram para Orlando por Tracy McGrady.

Aquilo me derrubou. Nem vale a pena falar desses anos no Magic, e definitivamente não vale a pena falar desses anos no Knicks. Essa parte da história é como o final de “Os Bons Companheiros”, quando todo mundo está sendo baleado e delatando um ao outro e eles estão dirigindo por aí olhando para o céu procurando os helicópteros da polícia. Foi uma bagunça, cara. Eu fui para esses dois times, e leva tipo cinco minutos no vestiário para você perceber: Nope. Nenhuma vitória aqui.

Você pode dizer em um minuto. É uma cultura.

Quando eu voltei para Houston em 2007, eu estava tão feliz de estar em casa. Mas honestamente, foi aí que tudo começou a ir ladeira abaixo. Cara, Rick Adelman… olha, eu juro que eu estava dando duro nos treinos. Pergunte ao Yao. Ele vai te dizer. Mas Adelman estava jogando Luther Head e Aaron Brooks e Rafer Alston na minha frente. Sem desrespeito a esses caras, mas qual foi, cara. Eu não estava jogando, eu ficava sentado no banco e a torcida ainda assim cantava meu nome. Eu ia para casa à noite e sentava na minha varanda por horas, em completo silêncio. Não bebia. Não ouvia música. Não fazia nada. Eu sentava lá fora até uma da manhã, só pensando.

Eu fui de vender drogas nas esquinas em D.C. para a NBA em quatro anos… e agora acabou? É o fim? Aos 32? Eu sabia que era o fim, e essa é uma merda muito, muito difícil de engolir. Não importa quem você é.

Eu fui jogar em Pequim por um tempo, e então eu tentei voltar para a NBA por um tempo, mas… nada. Me levou quase quatros anos para realmente aceitar que eu não ia jogar bola mais. Que realmente tinha acabado.

Steve Francis The Players Tribune
Sam Maller/The Players' Tribune

Eu tive alguns dias sombrios, sem dúvidas. E eu sei que as pessoas estavam perguntando: “O que diabos aconteceu com Steve Francis?”. Mas a parte mais difícil foi ler uma merda na internet dizendo que eu estava fumando crack. Quando eu pensei na minha vó lendo aquilo, ou nos meus filhos lendo aquilo… Aquilo partiu meu coração. Escuta, eu vendi crack quando jovem. Eu vou ficar devendo isso. Mas nunca na minha vida eu fumei crack.

O que aconteceu com Steve Francis? Eu estava bebendo muito, foi o que aconteceu. E isso pode ser tão ruim quanto. No espaço de alguns anos eu perdi o basquete, eu perdi minha identidade inteira, e eu perdi meu padrasto, que cometeu suicídio.

Eu só desisti, cara.

Eu só desisti.

Da época em que minha mãe faleceu, quando eu tinha 18, até a época em que eu deixei a NBA, eu nunca baixei minha guarda. Nem um minuto. Eu era como um soldado na guerra. Eu nunca respirei. Quando o fim chegou, foi quase como se eu tivesse expirando, tipo: “Bem… essa foi uma boa jornada.”

Eu vendi crack quando jovem, mas nunca na minha vida eu fumei.

Steve Francis

Olha, você pode pensar o que diabos você quiser sobre Steve Francis. Você pode pensar que, quando eu estava no meu auge, eu era o jogador mais elétrico que já existiu. Ou você pode pensar que eu não era porra nenhuma. Realmente não importa para mim. Mas eu estava pensando sobre uma coisa outro dia… de onde eu vim, e quão louco é o fato de eu sequer ter jogado 1 minuto na NBA… e essa é a única coisa que eu quero que as pessoas se lembrem.

Takoma Park, Maryland, 1997.

Eu voltei para casa de San Jacinto por uns dias. Para ser honesto, eu estava morrendo de saudades lá no Texas. Eu estava chorando todos os dias, dizendo aos técnicos que eu queria desistir e ir para casa. Voltar para minha família, voltar para a minha quebrada, voltar a vender drogas, voltar para a mesma merda, todo dia, para sempre. É o que eu sabia.

Então eu fui para casa em uma pausa, e todo mundo estava tipo: “Oh, você acha que é o cara agora? Tá bom, garoto universitário. Vamos ver o quão bom você é.”

Eles me colocaram contra Greg Jones, o cara número 1 em D.C. na época. Isso significa 50 caras em um lado da quadra com AK-47s, e 50 caras do outro lado da quadra com AK-47s.

Eles tinham 10 mil dólares no jogo. Um contra um. Melhor de três.

Você não pode dizer não.

Nós jogamos o primeiro jogo, e eu acabei com ele.

O segundo jogo começa, e eu podia destruir ele de novo. Por um minuto, eu estava pensando nisso. Eu poderia ser o cara em D.C., eu poderia ser uma lenda das ruas. Eu poderia vencê-lo, e fazer um dinheiro, e continuar na quebrada, onde eu me sentia confortável.

Eu poderia ter continuado na caixa.

Mas eu queria mais. Eu queria algo diferente. Eu queria casar com Janet Jackson. Então eu deixei ele vencer o segundo jogo. E então eu peguei a bola e joguei por cima da tabela e saí da quadra. Eu entrei no avião de volta para a universidade comunitária no Texas, e eu acabei com Shawn Marion ao invés disso.

Da esquina para a NBA em quatro anos.

Eu tenho que admitir, no entanto… Eu nunca cheguei na Janet. Não é uma vergonha? Mas você sabe do que mais? Quatro anos depois daquele jogo de traficantes, eu estava na capa da revista ESPN com as maiores beldades do momento.

Pequeno Steve com a bola de basquete, sorrindo ao lado do Destiny’s Child.

Ninguém poderia escrever uma história tão louca.

Autografo Steve Francis NBA

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