Minha Vida é um Livro Aberto

Sam Robles/The Players' Tribune

A vida em família de um jogador de futebol não é fácil. Tem um ditado que afirma que nós temos 200 milhões de treinadores no Brasil, eu posso dizer que isso é verdade.

Eu posso confirmar, também, que duas dessas treinadoras são minhas filhas.

Todos os membros da minha família acreditam que eles sabem tudo de futebol. E eles têm certeza de que aquele que sabe menos de bola sou eu. Quando eu chego no vestiário depois de um jogo do Chelsea, eles vão ter deixado um monte de mensagens de áudio no meu celular. Eles assistem a todos os meus jogos, e eles sempre me dão conselhos. Às vezes, vejo que eles enviaram mensagens ainda no primeiro tempo da partida, enquanto eu estava correndo no gramado.

Geralmente, a primeira mensagem é do meu pai, Severino.

“Filho, eu estava assistindo ao jogo… e você tem que ir mais pro meio”

Daí, tem uma mensagem da minha esposa, Vanessa. “Querido, por que você não chuta pro gol mais vezes?”

E então das minhas filhas gêmeas, Manuella e Valentina “Papai, se você quer marcar gol, você tem que chutar!”

Eu dou risada do quanto eles se envolvem. Mas eu também sei o quanto eles querem ajudar.

O feedback é sempre positivo, essas mensagens são enviadas com amor.

Sem dúvida alguma, tornar-se pai é a melhor coisa que pode acontecer na vida de uma pessoa. Quando Vanessa e eu nos casamos em 2011, nós não planejávamos ter filhos logo em seguida, mas elas vieram logo no ano seguinte. E, assim, uma benção dobrada. Eu só pensava em futebol o tempo todo, mas quando você tem filhos as prioridades mudam, porque elas precisam de amor e de atenção. Como jogador de futebol, elas me ajudam a manter o equilíbrio na minha vida.

Ao longo dos últimos anos, eu tenho pensado muito nessas coisas – nas coisas que são mais importantes que o futebol. E não estou falando apenas do meu papel como pai de família, mas como evangélico. Eu frequento a igreja aqui em Londres, e me sinto bem todas as vezes que estou ali, ouvindo a palavra de Deus, orando. E tem esse grupo de pessoas na igreja a quem eu considero amigos de verdade.

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Arquivo Pessoal/Willian

Mas eu não gosto de falar muito com as pessoas sobre religião. Por quê? Porque minha vida é um livro aberto. Com certeza, tem um jeito de transmitir a mensagem de Deus pregando o Evangelho. Mas às vezes você pode fazer a mesma coisa com as suas ações e com a sua atitude. Você pode ser o exemplo. Se você tem a felicidade e a disciplina em sua vida que vêm da sua fé em Deus, as pessoas vão sempre reparar que tem alguma coisa diferente em você, sabe? Então, você não tem que colocar na cabeça das pessoas que elas devem aceitar a Jesus. Dá para mostrar isso através de quem você é, de como você trata as pessoas, de como você lida com as coisas.

E é isso que eu tento fazer diariamente.

Algumas pessoas pensam que jogador de futebol só quer dinheiro, festa e ir atrás de mulher. É claro que cada um pode fazer o que quiser. A coisa mais importante de ser um cristão é saber que você é livre. Sim, você pode sair e fazer festa a noite toda. Mas você deve fazer isso? Quando você conhece a palavra de Deus, isso não faz sentido. E se você tem essa clareza, essa sabedoria do que é certo e do que é errado, sua vida será melhor.

Há muitos jogadores de futebol que são evangélicos, não apenas no Brasil, mas também aqui na Inglaterra. O Roberto Firmino foi batizado numa piscina há algumas semanas. O Alisson estava lá. O David Luiz é um amigo muito próximo, desde a infância. Ele se batizou quando jogava em Paris. O Lucas Moura me convidou pra comer pizza. E eu acho que é assim que deve ser. Em campo, cada um defende o seu time. Fora de campo, nós todos somos amigos.

Eu sinceramente acredito que tenho de agradecer a Deus por ter me tornado jogador profissional. Deus tem um propósito na vida de cada um, e para mim eu acho que foi me tornar jogador de futebol. Quando olho para trás, vejo vários momentos que a minha carreira poderia ter saído dos trilhos.

Ainda assim, por alguma razão isso nunca aconteceu.

Por exemplo, quando tinha dois anos de idade, quebrei o meu pé. Eu estava jogando futebol nas ruas da minha cidade natal, Ribeirão Pires, um lugar tranquilo fora da capital paulista, quando chutei uma bola que era muito pesada para o meu tamanho na época. Minha mãe contava que eu continuei andando normalmente, mas que no dia seguinte eu não conseguia mais colocar o pé no chão. Felizmente, meu pé se recuperou e, aos nove anos, pude ingressar no Corinthians, um dos maiores clubes do Brasil, e no time que minha família e meu bairro torciam.

Foram tantas coisas a meu favor. A confiança é crucial para todos os jogadores e, por qualquer motivo, nunca tive dúvidas de que me tornaria profissional. O caminho para o topo é longo, sabe? Milhões de crianças brasileiras perseguem o mesmo sonho. Alguns são talentosos, mas perdem a motivação. Alguns sofrem contusões graves. Outros começam a duvidar. Eu poderia ter pensado: Oh, isso realmente vai dar certo? Mas eu nunca duvidei.

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Arquivo Pessoal/Willian

Eu também tive sorte de ter meu pai. Quando eu tinha 15 anos, ele me disse que, se eu realmente quisesse me tornar um profissional, teria que escolher entre futebol e futsal, o qual eu jogava desde os quatro anos. Ele me ajudou a manter meus pés no chão. Se você é bom de bola, os agentes começam a mostrar interesse muito rapidamente. Eu também tive o impulso do ego quando fui convocado para jogar nas categorias de base da Seleção Brasileira. Se você não for cuidadoso, pode começar a pensar que chegou lá antes mesmo de conquistar alguma coisa. Mas meu pai nunca me deixou pensar que eu já era alguma coisa.

Nós sabíamos que a competição era grande. Há um ditado que diz que você tem que matar um leão e meio por dia, porque todo mundo já está matando pelo menos um. Meu pai sempre me disse isso.

E então, logo depois de jogar pelo time principal do Corinthians, tive uma grande oportunidade. Em agosto de 2007, aos 19 anos, recebi uma oferta do Shakhtar Donetsk. Como você sabe, todo jogador no Brasil sonha em jogar na Europa, principalmente em um dos grandes clubes. Devo admitir que não tinha planejado deixar o Brasil tão cedo e, certamente, não tinha previsto um futuro na Ucrânia. Mas o Corinthians precisava me vender naquele momento, e o Shakhtar realmente me queria. Então, meu pai e eu fomos lá para verificar as coisas.

O pessoal do Shakhtar realmente sabia como convencer um jogador. Quando nosso voo pousou na França, eles tinham um jato particular nos esperando. Eu estava tipo: Caramba, nunca tinha voado um jato particular antes. Tudo o que sabíamos sobre Donetsk era que era para ser um lugar frio. Mas na época em que a gente foi era verão e muito, muito quente. Eu pensei: Com certeza, no inverno não pode ficar tão frio… Então eu conheci o treinador, Mircea Lucescu, e alguns dos jogadores, como o Fernandinho, Luiz Adriano e Ilsinho, que eram brasileiros. As instalações pareciam excelentes. Finalmente, meu pai e eu concluímos que o Shakhtar poderia ser uma ótima porta de entrada para a Europa e que o sonho de jogar nas principais ligas do continente seria adiado. Então decidi me juntar ao Shakhtar.

Então, sim… Eles me contrataram quando ainda fazia calor!

Obviamente, quando o inverno finalmente chegou, foi difícil. o frio, a neve … Eu nunca tinha experimentado algo assim. Mas graças a Deus tudo correu bem. Tive o apoio de meus companheiros de equipe, principalmente dos brasileiros, incluindo o Brandão e o Jadson. Eu me adaptei bem. Eu até aprendi russo! No começo, tive que andar com o tradutor, mas lentamente peguei palavras e frases e, finalmente, consegui entender.

A Ucrânia também foi o lugar onde me tornei evangélico. Eu cresci indo a uma igreja católica com meus pais todos os domingos. Mas quando estava na Ucrânia, senti que comecei a me aproximar do que realmente significava seguir a Deus. Comecei a passar mais tempo com o Jadson e com o Fernandinho. Eles realizavam cultos em suas casas, onde estudávamos a Bíblia juntos. Eles eram quase como workshops da palavra de Deus. Foi quando comecei a entender completamente o que a Bíblia dizia, o que estava realmente certo e o que estava realmente errado. E assim eu aceitei Jesus Cristo como meu único salvador. Minha esposa e eu fomos batizados lá – em uma banheira.

Ao mesmo tempo, comecei a passar mais do meu tempo livre com meu empresário. Ele morava em Londres, então um dia eu fui com ele assistir a um jogo em um camarote em Stamford Bridge. Foi quando comecei a acompanhar o Chelsea e a Premier League. Eu fiquei encantado. Curti a atmosfera. Eu me apaixonei pela cidade. Não sei explicar o que Londres tem, mas tem algo… Algo especial.

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Sam Robles/The Players' Tribune

Passei cinco anos e meio no Shakhtar, trabalhando o máximo que pude. Em janeiro de 2013, mudei-me para Anzhi Makhachkala, na Rússia. Mas seis meses depois eles estavam com problemas financeiros e me permitiram encontrar outro clube. E assim começaram semanas de negociações. Muitos clubes me queriam, mas eu queria ir para o Chelsea. E no final, graças a Deus, pude realizar meu sonho. Ainda me lembro de visitar o clube, ver as instalações, conhecer David Luiz no vestiário. Eu estava tão feliz. Deus parece ter ouvido o que eu queria e disse: “É para onde ele irá”.

Desde que cheguei no Chelsea, muita coisa tem moldado minha personalidade. O primeiro ano foi decepcionante, porque estávamos lutando pelo título, mas terminamos em terceiro. Também jogamos as semifinais da Liga dos Campeões, empatando na primeira mão contra o Atlético de Madrid. Nós estávamos ganhando por 1-0 em casa na segunda partida, e me lembra de pensar: Caramba, nunca joguei uma final da Liga dos Campeões e agora vamos chegar! E então o Atlético virou o jogo e venceu por 3 a 1. Foi frustrante. Mas, de longe, o período mais difícil foi quando nos tornamos campeões da Premier League com Antonio Conte em 2016-17. Eu fiquei muito no banco naquela temporada, mas o pior foi que perdi minha mãe. Ela estava lutando contra o câncer, e parecia haver tão pouco que eu podia fazer quanto a isso. Nesse período, recebi muito apoio de meu pai e minha esposa. Foi doloroso, mas eu aprendi muito. Eu amadureci. E fiquei ainda mais perto de Deus.

Mas é claro, também, que tive muitos momentos felizes no Chelsea. Os fãs me tratam bem desde o primeiro dia. Quando eles cantam meu nome, me sinto feliz e orgulhoso. Eles me dão confiança, e eu sempre tentei retribuir esse carinho do torcedor dentro campo.

Não com palavras, mas dando um exemplo com minhas ações. Como sempre.

Os momentos mais felizes são quando a gente conquista um título da Premier League, porque a gente passa uma temporada inteira lutando por isso. Nunca vou me esquecer do meu primeiro troféu no Chelsea, quando vencemos com José Mourinho em 2015. A festa em campo e no vestiário foi incrível. Na verdade, vencemos com três jogos do campeonato ainda por disputar, e o Mourinho nos prometeu quatro dias de folga por semana se conquistássemos o título. Assim, a cada semana, durante o resto da temporada, eu treinava um dia, jogava um jogo e passava quatro dias com minha família em férias.

As pessoas me perguntam sobre os melhores treinadores que já tive. Com certeza, Mourinho é um deles. Tivemos um relacionamento especial. Ele exigia muito, então houve alguns conflitos, mas isso é normal. Ele me desafiava e apontava meus erros, mas, quando eu jogava bem, ele também dizia algo como: “Arrebentou, é isso aí.” Eu gostava da gestão dele, como ele organizava o treinamento, como ele falava nas reuniões. Eu aprendi muito com ele. Mesmo depois que ele deixou o Chelsea, ele falou bem de mim. Nós ainda somos amigos. Às vezes trocamos mensagens. Quando ele estava no Manchester United, ele queria que eu fosse para lá. E a maneira como ele deixava isso claro era sempre respeitosa.

Também me sinto muito bem trabalhando com Frank Lampard. Foi um privilégio ter jogado com ele – todos sabem o quão bom ele era – e como treinador, sinto que ele gosta muito de mim. Eu também gosto muito dele. Eu realmente gosto do jeito que ele está fazendo as coisas. Ele se preocupa com seus jogadores. A gestão dele é excelente.

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Glyn Kirk/AFP/Getty Images

Eu jogo pelo Chelsea há mais de seis anos e posso dizer honestamente que estou muito feliz aqui. Se você perguntar à minha esposa se ela quer sair de Londres, ela responderá que não. Minhas filhas se sentem da mesma maneira. Claro, o Brasil é o Brasil, certo? É a nossa casa, a nossa cultura. Sempre nos sentimos bem quando vamos lá de férias e vemos a família e os amigos. Mas Londres é minha segunda casa.

Na verdade, passei recentemente em um teste de cidadania britânica. Cara, foi difícil. É a história britânica em poucas palavras: os anos 1500, 1600, guerras, batalhas, grandes líderes, coisas assim. Tem perguntas que são tão difíceis que nem alguns dos meus amigos britânicos sabiam as respostas! Comprei este manual chamado Life in the UK Test, que cobre tudo no exame. Não sei quantas horas passei lendo. Também baixei um aplicativo de telefone com simulados.

Aconteceu que falhei nas minhas duas primeiras tentativas, mas consegui na terceira. Agora sou cidadão britânico!

Então, Londres é onde eu quero ficar. É aqui que tenho minha família, minha igreja. Quero que minhas filhas cresçam aqui. Sempre que volto para o vestiário, quero continuar vendo as mensagens delas.

Eu quero continuar ouvindo o amor e o incentivo delas. Elas não me lembram apenas de chutar para o gol. Elas também me lembram que, não importa o que eu ganhe como jogador de futebol, meu troféu mais importante será sempre minha família.

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