Encontro

SAM ROBLES/THE PLAYERS' TRIBUNE

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Dois dos principais atletas do planeta, num bate-papo na mais antiga quadra de basquete do mundo. Essa foi a estrutura básica para essa conversa que aconteceu no ginásio da Associação Cristã de Moços em Paris em setembro. Aqui estão Stephen Curry e Neymar, falando sobre a vida – e contando com a ajudinha do nosso tradutor brasileiro.

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The Players’ Tribune
Então, pessoal, a primeira coisa que eu quero saber é muito simples. Quando vocês eram crianças, quais foram os momentos decisivos que vocês descobriram que gostariam de ser atletas pelo resto da vida? Quando é que vocês tiveram esse click?

Stephen Curry
Para mim, o momento que eu soube que o basquete seria a minha vida, foi quando eu tinha seis anos de idade, jogando na Carolina do Norte, onde cresci. Tinha mais ou menos 15 pessoas nas arquibancadas. Era uma situação de 2 contra 1 em quebra rápida. Eu tive a bola. E o defensor veio para me cercar, e ao invés de fazer um passe no peito, ou um passe normal, ou mesmo regular, eu, tipo, meio que saltei e então, num movimento em 360 graus, eu dei um passe nas costas e foi direto ao alvo, e meu companheiro de equipe fez a bandeja. E todos os 15 fãs na plateia foram à loucura. E, obviamente, era tipo uma maravilha… e foi nesse momento que minha criatividade surgiu, e eu sabia que essa seria a minha reação. Naquele momento, eu soube que o basquete era divertido para mim e eu adorava fazer isso, então … foi assim. E você?

Neymar Jr.
Tive dois momentos, de pequeno, aos três anos. Quando minha mãe perguntou qual presente eu queria, saí correndo, atravessei a rua e escolhi uma bola de futebol. E o outro, quando eu tinha seis para sete anos de idade, quando o Santos foi campeão, fui com meu pai na rua celebrar com toda a torcida e vi os jogadores passarem em cima de um carro alegórico, acenando para eles e dando tchau. Foram esses dois momentos que me marcaram e eu decidi: Quero jogar futebol.

Steph
Isso é interessante. Você viu outras pessoas jogarem. Eu tinha isso como um dado da realidade, também, porque meu pai jogou… então… eu via isso quase todos os dias.

Neymar
O seu pai jogava. O meu pai jogava, também.

Steph
Sim, você sabia que tinha de desenvolver sua própria paixão pelo futebol, e não apenas porque ele fez isso garantia você em campo. Mas você teve de descobrir se era para você. Isso foi muito inteligente de sua parte.

Sam Robles/The Players' Tribune

TPT
Então, falando a respeito deles, se os seus pais estivessem aqui no lugar de vocês, quais seriam as histórias favoritas deles quando vocês eram crianças? Algo como uma história lendária – super-engraçada que eles adorariam contar aqui

Steph
Ah, cara. Se meu pai estivesse sentado aqui … Ele contaria duas histórias. Uma é bem rápida – de como eu peguei essa pequena cicatriz aqui. Era meu último ano no Ensino Médio, eu estava jogando contra o time rival da cidade. E meu pai, durante este feriado de Natal, e antes do jogo, no vestiário, eu estava muito animado para jogar… Estávamos no vestiário e tinha uma barra de ferro lá pendurada, e eu fiquei curtindo: “Vamos lá, vamos ganhar”. E então eu pulei para comemorar com meu time e bati na barra, bati na minha testa, e eu arrebentei meu rosto inteiro. Então, eu saí no jogo e eu tinha esse enorme Band-Aid de borboleta no topo da minha cabeça. E ele sempre conta essa história porque 1) você pode ver a cicatriz e 2) porque eu era como grandes momentos que eu ia ficar animado, eu estaria pronto para jogar. E eu só tenho que tomar cuidado onde é que eu pulo.

A outra história aconteceu quando eu estava no meu segundo ano na faculdade. Eu fiz um grande arremesso contra Gonzaga no primeiro tempo para ajudar o time da faculdade. Quando arremessei, dediquei ao meu pai, porque eu sabia o quanto isso significava para a nossa família. Ele meio que passou o bastão para mim – para jogar basquete em um nível muito alto. Então, nós compartilhamos esse momento na quadra. Então, isso foi da hora.

Neymar
Meu pai fazia a mesma coisa que o dele. De ficar acompanhando na quadra: filho faz isso, filho faz aquilo. E uma história que eu tenho com meu pai é de, em todo o lance, ele assobiava. Eu já olhava: “ah, meu pai está ali”. Já sabia e já olhava pra ele, que dizia: “faz isso, faz aquilo”. Sempre me ajudava dentro de quadra ou dentro de campo. E quando ele assobiava muito…. eu sabia que tinha feito m@#$%

Eu tenho uma história também de ter cortado aqui, igual ele. Meu pai terminou um jogo dele, eu estava de chuteira e jogando assim, num piso como esse, e eu fui chutar a bola escorreguei, caí com isso aqui e a gente foi direto pro hospital… ele tinha acabado de sair do jogo. Ele ficou um pouquinho bravo.

TPT
Por favor, Neymar, descreva para a gente o que é jogar uma final de Champions League. Por favor, Steph Curry, descreva para gente o que é jogar uma final de NBA. Quais são as recordações que vem à mente quando vocês se lembram daqueles momentos?

Steph
Quando você acorda, na manhã do seu primeiro treino para a final da NBA, você ainda tem seu coração ao elaborar qual é a diferença. Há uma vibração diferente no ar. A ansiedade e a adrenalina são diferentes. Você sabe que está tão perto do seu objetivo final que todo o resto diminui um pouco. O caos em torno dos treinos, em torno de viagens, do que te leva ao jogo … é como se fosse uma centena de vezes mais louco do que é durante a temporada regular e o resto dos playoffs. Mas isso apenas faz alguma coisa para o seu foco, porque você sabe o quão real é esse momento e tudo apenas aumenta para um outro nível. Eu sonho com isso o tempo todo, para ser honesto com você. Uma vez teve o primeiro gostinho disso… todos os outros jogos são realmente difíceis de se obter a mesma sensação, porque você já provou aquela adrenalina jogando em finais e ganhando um campeonato. Então, essa é a melhor maneira de explicar: tudo fica mais lento, mas é apenas como um foco de laser que alcança onde você nunca pensou que fosse possível.

Tudo fica mais lento, mas é apenas como um foco de laser que alcança onde você nunca pensou que fosse possível.

Neymar
É diferente. Acho que fiquei mais nervoso assistindo a final da NBA do que jogar a minha. Mas é diferente. Acho que a vibe de uma final da Champions League, a concentração que você tem, é tudo um pouco diferente de qualquer jogo. Quando joguei minha primeira final da Liga dos Campeões, lembro que, antes do jogo, eu estava muito nervoso, ansioso, mas depois que começa o jogo, você relaxa, porque você está focado, você sabe que está ali para isso. Então, é tudo mais natural.

Steph
Sim, o que você disse sobre…. é o normal no futebol e é o normal no basquete, também… é o mesmo campo, é a mesma bola. Mas é o mesmo para mim numa quadra de basquete. Mas, sim, existe algo que você faz para si mesmo e te leva a isso, você meio que… você quase se engana, chegando até mesmo a esquecer que tudo o que você tem de fazer é colocar a bola na cesta. Fazer o que eu faço todos os dias.

Neymar
Eu fiquei mais nervoso em assistir as coisas do que em jogar. Fui assistir ele jogar, sou muito fã dele, muito fã do Warriors. E fiquei nervoso com aquele jogo torcendo pra eles do que eu jogar uma final, que, para mim, é mais tranquilo. Como tinha sido minha primeira vez, com medo de eles perderem o jogo e eu ser o pé frio, sabe?

Jed Jacobsohn/The Players' Tribune

Steph
Quando seu pai assiste, ele diz o mesmo? Meu pai diz o mesmo.

Neymar
A mesma coisa.

TPT
Qual é a história favorita de vocês sobre os seus filhos?

Stephen Curry
Posso te dizer que, como pai, existem inúmeras histórias. Todos os dias tem algo divertido. A história mais engraçada, a mais consistente até hoje, é com minha filha Riley. Ela tem 6 anos agora. Ela tinha uma coisa, quando me via com roupas normais, ela me chamava ou de papai ou de Stephen. Ou, desculpe, ela me chamava de papai. Mas quando eu colocava o uniforme do Warriors, número 30, ela me chama de Stephen Curry. Há uma clara distinção entre eu vestindo o uniforme e jogando basquete e eu com minhas roupas normais na casa. E ela me chamava por nomes diferentes. O ponto que eu percebo é: eles notam tudo a seu respeito. Você não pode esconder nada para trás. Para ela, essa era uma forma de diferenciação… Eu só digo isso da perspectiva de um torcedor, mas é quase como se aquele uniforme do Warriors, número 30, é do Stephen Curry, e ele é um personagem diferente, uma pessoa diferente do que o pai dela é…

Neymar Jr.
Meu filho estava na escola com seus amigos e estava passando um comercial na TV – se não me engano, era um jogo do Brasil. Daí, passou eu. Aí, ele falou: “Ah, meu pai”. Aí o menino falou assim: “não é o seu pai”. Aí ele: “É meu pai”. E o menino: “Não, o seu pai não pode ser o Neymar”. Então, meio que começou uma discussão entre os dois, que foi levada, óbvio, para a professora, que conversou. E ele ficou meio triste porque ninguém acreditou que o Neymar era o pai dele.

Steph
Quantas crianças provavelmente estão dizendo em suas escolas: “Meu pai? Ah, meu pai é o Neymar” “Sim, claro que é”. Que idade tem seu filho?

Neymar
Sete anos.

TPT
Qual é a idade da sua filha mais velha?

Steph
Minha mais velha tem 6 anos, e eu tenho uma que tem 3 anos e a mais nova tem 2 meses de idade. Então, a cada 3 anos… nós terminamos…. Duas garotas e um garoto. Então estou bem. Sou abençoado. Eu estou feliz.

TPT
Neymar e Steph: por favor, contem pra gente o que significa para vocês enfrentar os maiores jogadores. Steph, você jogou contra o Lebron. Neymar, como é enfrentar o Messi e o Cristiano Ronaldo.

Steph
Quando você joga contra os gigantes e você joga contra pessoas que te estimulam. Ou que tem o que você possui antes … e você os persegue, você quase é consumido por isso. Porque você sabe como é difícil chegar ao topo … o trabalho mental que você coloca em prática. Você sempre tenta encontrar um pouquinho de vantagem, seja algo mental, algo físico … que você possa aproveitar para ficar nas alturas até chegar lá. E para mim isso aconteceu quando eu assisti o primeiro jogo que joguei contra LeBron, no meu ano como novato, e pensava assim – daquele momento até 2015 nós jogamos um campeonato da NBA. E nessa final, pela primeira vez – eu só queria ser fora de série, porque vi um gigante à minha frente. E quando você joga, você fica exposto, você aprende, você continua crescendo, você falha, você continua crescendo. E, eventualmente, para mim, cheguei ao topo. Quando eu terminar toda a minha carreira, olhando para trás, aquela janela de sete anos para chegar àquele campeonato, eu apreciarei essa jornada inteira porque é com aquele coração que nós fazemos o que fazemos no mais alto nível a cada noite. E você apenas aprecia essa jornada, com certeza.

Neymar
Enfrentar Messi e Cristiano Ronaldo – e eu joguei com Messi, que é, para mim, um dos maiores no futebol. Ele é meu ídolo no futebol… Com ele, eu aprendia todos os dias. Durante os treinos, ou jogando com ele, ou vendo ele jogar. E isso foi me fortalecendo… acho que aumentando minha capacidade dentro de campo. Porque eu fui aprendendo muito com ele. Quanto ao Cristiano Ronaldo, ele é um monstro. Enfrentá-lo é uma honra e um prazer. Só que a gente tem que se preparar mais, porque… é um dos maiores do futebol, então, você fica mais esperto, mais ligado, mas ao mesmo tempo você vai aprendendo, também. Então, são dois grandes caras, que eu me vejo parecido com ele, porque quero aprender, quero mais, quero ganhar. Quero buscar mais títulos, fazer mais gols, então, vou aprendendo a cada dia com eles, também.

Quero aprender, quero mais, quero ganhar. Quero buscar mais títulos, fazer mais gols, então, vou aprendendo a cada dia com eles, também.

Steph
O mais legal é que agora eu aprendi um pouco sobre como…. elevar o meu nível. Eles conseguem extrair o melhor de você. Quando você chega a esse nível, quando eles o respeitam, quando eles o veem como uma ameaça, você traz o melhor deles. Vai e volta. É por isso que nós jogamos. É por isso que fazemos o que fazemos. E essa parte … Eu realmente posso realmente apreciar, novamente, todo o trabalho que, você sabe … se você vê alguém nos bastidores, o que eles fazem diferente. Você pode escolher e aprender algumas coisas, mas deve permanecer fiel a si mesmo.

TPT
Vamos imaginar que nós estamos fazendo o filme da vida de vocês. Qual é cena que definitivamente precisa estar nessa história? Tipo, um momento em que a vida de vocês se transformou de tal forma… que fez vocês chegarem aqui do jeito que são hoje…

Steph
Eu não sei o dia ao certo, mas foi no verão de 2012. Tinha acabado de fazer a segunda cirurgia no tornozelo. E eu estava sentado num sofá na minha sala de estar, em Charlotte. Éramos só eu e minha esposa lá. E eu não acho que ela já me ouviu dizer como … duvidar de mim mesmo ou duvidar do processo de voltar de uma lesão. Porque sou uma pessoa tão otimista. Eu sempre vejo o copo meio cheio. Mas aquele momento realmente testou minha força mental para superar os dias difíceis naquele segundo verão de recuperação… e não saber realmente qual seria o final. Você sempre imagina, de novo como nós estávamos dizendo – você persegue a grandeza, você quer ser grande, mas uma coisa que eu não conseguia controlar era a minha saúde, mais especificamente meus tornozelos. Ela me disse uma vez algo do tipo: “não esqueça quem você é”. E esse tipo de cuidado me manteve focado nessa missão. Quase três anos depois, estava de volta à quadra, ganhando o campeonato. Então aquele momento ali, tipo, foi a hora mais difícil, e a coisa só melhorou a partir dali.

Neymar
Eu tenho dois momentos. O primeiro quando eu machuquei minhas costas. Eu estava vivendo meu sonho, jogar a Copa do Mundo, e você se vê saindo de um sonho porque você se machucou. Para mim, tinha acabado tudo. Eu falei: “Pô, será que vou conseguir voltar a jogar futebol, será que vou conseguir? E ali meus familiares, meus amigos, foram importantes para mim naquele momento. De me reerguer, de estar comigo, de estar perto. De me fazer dar a volta por cima.

E o outro momento foi agora, quando eu tive a minha primeira operação, que foi do pé. Eu estava próximo de jogar uma Copa do Mundo, que eu não me via jogando, e meus familiares, minha namorada e meus amigos ficaram comigo. E eles me fizeram acreditar no meu sonho, que eu poderia chegar numa Copa do Mundo e disputar novamente. Acho que esses dois momentos são importantes para mim. Minha família e meus amigos foram muito importantes nesses momentos. Neste retorno.

Steph
Sim. Eles estão contigo nos momentos mais difíceis, mas você celebra os momentos mais prazerosos com eles, também, os sucessos. E é isso faz tudo dar certo. Porque eu sei… você não pode fazer o que você é capaz sem a família pra te apoiar.

Sam Robles/The Players' Tribune

TPT
Por favor, leve a gente até o vestiário. Gostaria de saber qual é o cara mais engraçado no time e o momento em que ele fez vocês rirem nos últimos anos.

Steph
O cara mais engraçado do nosso vestiário é Klay Thompson, com certeza. Eu não acho que ele saiba disso, e essa é a parte engraçada. Então, ele tem essa riqueza inexplorada de conhecimento em algum lugar e volta aqui ele vai despejar esse saber aleatório, como, por exemplo, quantos galões o lago tahoe possui… apenas algo aleatório. Mas não foi uma história dessas que me fez rir ou algo que ele disse que me fez rir. Foi meio que o cenário em torno dele fazendo cestas. Sessenta pontos em três quartos há dois anos. Nós sempre brincamos. Klay está meio atrasado para tudo. Ele está meio atrasado para os treinos, às vezes. Este dia em particular antes desse jogo ele perdeu todo o treinamento. Ninguém sabia onde ele estava. Ele não chegou atrasado. Ele simplesmente não apareceu. Então, ficamos preocupados com seus a concentração dele e tudo mais. Daí, o cara aparece, lê o jornal antes do jogo (como ele sempre faz), vai lá e marca 60 pontos em três quartos… isso num dia depois de faltar ao treinamento. Então, pequenas coisas como essa só fazem você rir porque a gente não tem ideia se que o Klay iria aparecer, mas ele pode te surpreender a qualquer momento com um jogo como esse, ou com algum fato aleatório que só o Google saberia. Então, foi muito engraçado..

Eu até falei isso pro técnico. “Professor, você deveria ter dito a ele: “pô, pode pular aos treinamentos e a gente se vê lá às 19h30”

Neymar
O mais engraçado do vestiário, para mim, é o Daniel Alves. Ele é um cara incrível. Eu gosto quando ele posta os vídeos cantando. A forma como ele vai no vestiário. De botar todo mundo pra cima. De brincar com um, brincar com outro, de colocar apelido. Então, ele sempre tem uma história diferente, né, mas o que a gente mais ama é quando ele dá uma de cantor, coloca os vídeos no Instagram e começa a cantar… É o que mais a gente dá risada, é o que mais a gente ama quando ele faz.

O apelido dele é “boa loucura”.

Steph
Hahaha! Você precisa dessa loucura por perto! Você precisa desse tipo de gente no vestiário. A temporada é longa, então você tem de ter…precisa ter esse tipo de piada e essa vibe positiva. Ainda assim, é engraçado.

Neymar
É o cara mais velho, mas fantástico. Hahaha!

Steph
Parece que ele sabe que isso faz parte do papel dele. Ele faz a parte dele no campo, mas ele tem que trazer a vibe no vestiário, fazendo com que todos se sintam confortáveis.

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